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Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

Nós, da imprensa esportiva, contribuímos para trituração de técnicos

Não são sempre os jornalistas que levantam debate sobre demissão, mas o ecoamos

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Passada a terceira rodada do Campeonato Brasileiro, é comum vermos circulando nas redes sociais e na mídia esportiva aquilo que escolhi chamar de “não-notícia”. O clube tal não cogita demitir o técnico após derrota. Oras, se não há demissão à vista, então não há nada novo a ser noticiado, certo? Por que a permanência de um treinador ganha as manchetes de maneira tão corriqueira no Brasil?

Escolhi fazer esse texto como autocrítica. Não para apontar dedos, mas para levantar o dedo e admitir: como parte da imprensa esportiva, tenho minha contribuição nessa máquina trituradora de técnicos que vemos por aqui. Todos nós, jornalistas esportivos, temos. E o primeiro passo para resolver um problema é reconhecê-lo —faço aqui a minha parte.

Não é sempre a imprensa que levanta o debate sobre a demissão do treinador x ou y. Mas é a partir dela que esse debate ecoa. Somos nós, jornalistas, que chancelamos a crise ou não crise de um técnico num clube. Quando fica “só” na pichação do muro do CT por torcedores isolados, não é nada. Quando vira discussão nos programas esportivos, o assunto ganha corpo.

Às vezes, são os próprios dirigentes interessados em uma demissão que plantam a notícia. Às vezes, nós mesmos vamos atrás da “não-notícia”. Então o time é eliminado de um campeonato ou perde dois ou três jogos consecutivos, e nós vamos ao presidente do clube ou diretor de futebol questionar: e aí, vão manter o técnico?

Nós somos os primeiros a defender a tese de que um treinador precisa de tempo de trabalho para conseguir resultados numa equipe. Mas também somos os primeiros a cobrá-los após os três primeiros jogos ou a primeira eliminação.

Jurgen Klopp chegou ao Liverpool em 2015. Seu primeiro título no clube foi a Liga dos Campeões, em 2019. Foram quatro anos para uma conquista, cinco para o tão sonhado título da Premier League. Tudo isso num dos maiores clubes do mundo, com um dos maiores orçamentos e um dos melhores elencos.

Quando assistimos à Liga dos Campeões e ficamos perplexos com a qualidade do futebol, não nos damos conta de que seria impossível conseguir qualquer coisa parecida por aqui quando 90% dos times que começaram a Série A em 2020 têm técnicos diferentes dos que tinham quando começaram o mesmo campeonato um ano atrás. Ninguém consegue milagre em três meses de trabalho —é verdade que Jesus conseguiu em 2019, mas essa é a exceção, não a regra.

Vale reforçar que ele tinha nas mãos o melhor elenco do Brasil. Mas, se não tivesse conquistado títulos já no primeiro ano de trabalho, será que teria sido tão elogiado por nós?

A gente reclama do futebol reativo, excessivamente defensivo, praticado por tanto tempo nos clubes daqui, mas quando algum técnico aparecia propondo jogo com saída de bola desde o goleiro, um erro era o bastante para questioná-lo: “você pretende insistir nessa saída mesmo correndo risco de tomar gol do adversário?”.

Jesualdo Ferreira foi demitido pelo Santos após eliminação no Campeonato Paulista - Juan Mabromata-3.mar.20/AFP

Passamos muitos anos rasgando elogios para os treinadores que hoje viraram os principais alvos das críticas por serem muito “pragmáticos”. Mas eles ganhavam logo no primeiro ano de trabalho, e nossa análise de futebol foi sempre condicionada a resultado.

O resultado, aliás, é essencial, mas a discussão sobre o jogo só evoluiu porque técnicos (coincidentemente estrangeiros) vieram nos mostrar que um time de futebol era mais interessante quando buscava o gol —não quando só se preocupava em não tomá-lo. Para conseguir ver mais ideias diferentes dentro de campo, a gente precisa evoluir também no debate de ideias fora dele.

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