O avião aterra em Moscou às 2h da madrugada, e a gente não percebe se o sol ainda não se pôs ou se já está a nascer.

Parece que chegamos a um lugar em que o mundo está avariado e a noite completa não existe, pelo menos nesta altura do ano.

Receávamos que a noite, num país estranho, pudesse ser de certo modo assustadora, mas afinal o fato de não haver exatamente noite assusta ainda mais.

É preciso pegar um táxi, mas, além de não haver quem fale o nosso doce idioma, também quase ninguém fala inglês.

Jogamos Pictionary com o motorista do táxi durante 15 minutos, no fim dos quais há duas hipóteses:

1) Ele entendeu para que hotel a gente vai.

2) Ele acha que nós somos a presa ideal para um seu amigo da máfia, que já tem comprador para os nossos rins.

A velocidade ziguezagueante da viagem para o hotel recorda-nos alguns vídeos que vimos no YouTube sobre acidentes rodoviários russos. Toda a informação e conselhos que recolhemos na internet deixou-nos, aliás, a sensação de que todo o povo russo, incluindo as crianças, tem como único propósito na vida clonar-nos o cartão de crédito.

Milagrosamente, chegamos ao hotel, corremos as cortinas com cuidado para evitar a luz do amanhecer, ou entardecer, ou seja o que for que se passa lá fora.

No dia seguinte, vamos tentar almoçar, mas a tarefa é difícil porque tudo está escrito num alfabeto que parece ter sido concebido de propósito para caçoar da gente. O P lê-se R, e o R escreve-se ao contrário e lê-se iá. Uma letra parece aquele símbolo matemático que vale 3,14.

Em desespero de causa, entramos numa dessas cadeias de restaurantes americanos que são iguais em todo o lado e que costumamos abominar, mas que hoje nos parece a casa da nossa avó (se a nossa avó não soubesse cozinhar e tivesse o mau gosto de nos servir frango frito em baldes).

O restaurante tem uma televisão a dar o Brasil x Costa Rica, e de repente toda aquela gente que come péssimo frango começa a assistir ao jogo, e então atrás de nós alguém grita em português "chuta!", e o Coutinho chuta mesmo, e finalmente estamos em casa.