Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.
A mãe natureza é madrasta
Ela concebeu um agente infeccioso para castigar o nosso estilo de vida
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A gente tinha tudo. Tecnologia de ponta, ciência avançada, carros que andavam sozinhos. Mas então, em Wuhan, alguém disse: "Já sei. Para o jantar vou fazer churrasco de morcego". E acabou tudo. Toda a civilização humana ruiu por causa de um petisco.
Talvez seja compreensível, por isso, que tenhamos voltado aos tempos em que as pragas se explicavam com a ira dos deuses. Há já algumas semanas que vários místicos vêm fazendo um divertido exercício de ventriloquia virológica e posto palavras na boquinha minúscula do vírus.
Apesar de serem, na sua maioria, ateus, estes autores acreditam, ao que parece, que a deusa Gaia, ofendida com as emissões de carbono, o degelo das calotas polares e com o nosso consumo imoderado de gorduras saturadas, enviou o seu filho Corona à Terra, não para redimir os nossos pecados, mas para os assinalar e punir.
Depois de ter gerado os 12 titãs, os três ciclopes e os três hecatônquiros, a mãe terra dedica-se agora a empreitadas bastante menores, e concebeu um agente infeccioso submicroscópico para castigar o nosso estilo de vida desrespeitador da natureza.
Provavelmente cega pela ira, em vez de inventar um tsunami que levasse todos os carros a diesel, ou uma praga de gafanhotos que tivessem um particular apetite por infraestruturas petrolíferas, produziu um vírus que é especialmente nocivo para idosos e pessoas com problemas respiratórios. Pelo visto, há uma relação direta entre a desertificação da Amazônia e a bronquite asmática.
O último destes místicos, por incrível que pareça, foi o papa. Disse ele: "Há um ditado espanhol, Deus perdoa sempre, nós de vez em quando, a natureza nunca".
E acrescentou: "Não sei se isso é a vingança da natureza, mas certamente é a resposta da natureza".
Ou seja, a natureza responde ao nosso desrespeito por ela com uma doença infecciosa que ataca as vias respiratórias. Até agora, eu não fui infectado --o que não é surpreendente, porque eu reciclo. Mas gostaria muito que estes exegetas das doenças me explicassem que resposta queria a natureza dar-me quando me deu uma micose na unha.
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