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Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

Ser viado só não virou uma ambição porque percebi que era inescapável

Criança, não pude deixar de notar que se um comportamento era sensato, quase sempre era coisa de viado

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Ser ou não ser viado, eis a questão. Shakespeare não a colocou, porque estava ocupado com assuntos menores, mas essa é a questão com que qualquer garoto se confronta.

Quando os sutis filósofos da nossa infância se dedicavam a determinar o que era ou não era coisa de viado, eu não pude deixar de notar que, quase sempre, se um comportamento era sensato, então era coisa de viado.

Portanto, ser viado só não passou a ser para mim uma ambição porque também percebi, pela mesma altura, que era inescapável: emoções humanas básicas como o medo, por exemplo, eram coisa de viado.

Ora, eu não conhecia ninguém que não tivesse medo. Logo, eu era viado, a minha avó era viada, todo o mundo era viado. Nesse sentido, o transviado era quem dizia que ter medo era coisa de viado. Ele é que, aparentemente, se desviava da suposta norma. O corolário deste complicado raciocínio é, então, o seguinte: apontar o que é e não é coisa de viado é coisa de viado.

Assim como a história registra hoje a carta em que Júlio César escreveu “Cheguei, vi e venci”, e o discurso em que Churchill disse que prometia apenas “sangue, suor e lágrimas”, também registrará, estou certo, o momento em que Bolsonaro disse que “usar máscara é coisa de viado”. É uma ocasião histórica em que um estadista indica uma comunidade normalmente desconsiderada como exemplo de conduta responsável.

Por todo o mundo, todas as pessoas minimamente sensatas usam máscara. Dizer que isso é coisa de viado associa decência básica a um determinado grupo sobre o qual costumam recair preconceitos negativos. É, provavelmente, a melhor e mais engenhosa campanha antidiscriminação de sempre.

Sinto que este é o caminho para que finalmente se entenda que as pessoas são todas iguais. Falta destacar outros grupos tradicionalmente menosprezados e atribuir-lhes as características positivas que eles, como é óbvio, também têm.

Esperemos que, no âmbito desta campanha, o presidente diga na próxima semana que “estudar é coisa de mulher”. E na outra que “ser competente é coisa de negro”. Para que as crianças possam sonhar, um dia, serem pessoas decentes, que se preocupam com a sua saúde e a dos outros, que estudam e são competentes. Como as mulheres viadas negras.

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