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Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

Descrição de chapéu

Will Smith poderia ter reagido a Chris Rock com piadas, em vez do tapa

A alopecia, uma doença que provoca sofrimento terrível, mata milhões de cabelos e gera um holocausto no ralo do chuveiro

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Viram o que aconteceu no Oscar? Eu pensei que tinha visto, mas agora já não sei. O que eu vi foi: uma pessoa disse uma piada e outra reagiu cometendo o crime que vem descrito no artigo 129 do Código Penal brasileiro.

Pareceu-me claro, mas não deve ter sido o que se passou, porque o agressor não foi expulso da sala e menos de uma hora depois estava a ser aplaudido de pé.

Ilustração publicada em 2 de abril de 2022 - Luiza Pannunzio

Algumas pessoas viram uma mulher negra ser barbaramente agredida e um herói a defendê-la, punindo o agressor. Nenhuma dessas pessoas explica por que é que, uma vez que o delinquente tinha perpetrado a agressão por meio de uma vil piada sobre a aparência física da vítima, o defensor não lhe pagou na mesma duríssima moeda, contra-atacando com uma piada de igual violência.

Até porque o defensor também era comediante, e por isso teria instrumentos para fazê-lo. E só sobre os dentes do criminoso haveria 20 minutos de piadas bem azedas para dizer. Também ninguém esclarece a razão pela qual a lei não pune do mesmo modo violência física e piadas, já que são equivalentes.

Outras pessoas viram um homem a responder à masculinidade tóxica com masculinidade tóxica por causa de uma mulher, duplamente intoxicada.

Curiosamente, embora muitos tenham visto uma mulher negra ser atacada por um homem, ninguém viu um milionário agredir um negro enquanto este trabalhava. Que me tenha apercebido, também não viram um homem a bater noutro dez centímetros mais baixo e 20 quilos mais leve.

E também ninguém viu uma pessoa poderosa (tão poderosa que, além de poder agredir impunemente, é muito rica e se senta na primeira fila do Oscar) a deixar claro que, em cima de todos esses privilégios, ainda tem o de não respeitar o contrato tácito que todos os que ali estão subscrevem, e que estipula que, naquele ambiente, são admissíveis piadas até bem mais agressivas do que aquela.

O caso, afinal, é tão complexo que talvez seja melhor fazer de conta que não aconteceu nada. Que, ao que parece, foi a opção da Academia.

Entretanto, estou um pouco desiludido porque pensei que, finalmente, eu poderia participar da discussão. Sempre me disseram que não posso saber o que é ser gay, mulher, negro etc. Ora, desta vez, eu sei o que é sofrer de alopecia, que aliás tenho visto ser descrita como uma "doença incurável" que "provoca sofrimento terrível".

É verdade. Trata-se de uma doença que mata, todos os anos, milhões de cabelos. Assisto diariamente ao holocausto no ralo do chuveiro. Mas acho que ainda não é desta que tenho direito a pronunciar-me.

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