O antigo major vai ter com Rambo, que está aposentado. É sempre um antigo major, e o herói está sempre aposentado. Rambo está a praticar uma atividade violenta mas não bélica como, por exemplo, rachar
lenha. Assim a gente vê que, apesar de aposentado, ele ainda mantém o vigor de antigamente.
O major diz que precisa muito do Rambo, pois só ele pode resolver uma questão qualquer no Afeganistão, e é fundamental agir depressa porque em breve as guerras serão travadas por drones, operados a partir dos Estados Unidos por magrelas com jeito para videogames, e deixa de haver filmes de ação.
Mesmo sabendo que o mundo depende disso, Rambo se recusa a ajudar. Depois acontece alguma coisa que transforma uma intrincada situação geopolítica num caso pessoal, e só então Rambo decide comprar a passagem para o Afeganistão. Que fastio é esse? Porque é que os heróis dos filmes têm de ser convencidos a ser heróis? A gente já sabe que eles vão aceitar, caso contrário o filme teria apenas dez minutos.
(“Vem, Rambo.”
“Não quero, major.”
“Ah, que pena. Bom, mas valeu a pena tentar.”
Fim.)
Portanto, é uma perda de tempo. E faz com que a gente tenha menos interesse no filme. Rambo acaba por ir, mas contrariado. Ele não queria mesmo ajudar os mujahidins. Queria estar a rachar lenha na sua fazenda. Muitos filmes são a história de vencedores que resistem a lutar e de vencidos que não resistem a aplaudir.
Outro herói, chamado Rocky (aliás, muito parecido com Rambo), também não quer lutar com Ivan Drago.
Só quando o russo mata o seu melhor amigo é que Rambo compreende que a melhor maneira de demonstrar a superioridade do imperialismo americano sobre o imperialismo soviético é dar uma surra em Drago envergando uns calções com a bandeira dos Estados Unidos. E então os russos não resistem a aplaudir.
Depois de Rocky vencer Drago, um dirigente soviético começa a aplaudi-lo, primeiro um aplauso lento e solitário. E a seguir mais dois ou três dirigentes aplaudem, e de repente toda a plateia aplaude e se levanta. Sempre por esta ordem: primeiro um, sozinho e devagar; depois mais dois ou três, um pouco mais rápido; no fim, todos ovacionando, de pé.
São coisas que nunca acontecem na realidade, e no entanto ocorrem em todos os filmes.
A ficção não imita a vida, imita-se a si própria.
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