Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

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Gregorio Duvivier
Descrição de chapéu

O tapa se distingue do soco por não machucar o rosto tanto quanto magoa a alma

A tapona de Will Smith em Chris Rock no Oscar ficará guardada na mesma estante do sapato que foi atirado no Bush

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Essa semana, o tapa que Will Smith deu na cara do Chris Rock gerou uma discussão sem fim, dividindo o país e o planeta entre aqueles que defendiam que foi um tapa e aqueles que acreditavam que fosse um soco. A discussão deu lugar a outras: todo soco de mão aberta é tapa? Quais os limites da bifa?

Precisei assistir ao VAR pra decidir. Cheguei à conclusão de que se trata de um híbrido entre o soco e o tapa, também conhecido como tabefe, botadão, ou cola-brinco. O antropólogo Orlando Calheiros lembrou que no Rio o golpe é conhecido como tapa de PM, o famoso soco de mão aberta. Enquanto o simples tapa na cara permite que os dedos ultrapassem o rosto sem mudar sua angulação, o tabefe, ao contrário, leva a palma, e não os dedos, ao encontro da face alheia, carregando o crânio numa diagonal descendente em direção ao chão.

Há quem se refira ao tapa, quando caprichado, apenas no feminino. O artigo feminino, no português, pode funcionar como um aumentativo. Assim como a barca distingue-se do barco por ser maior, prefiro tomar um bico a uma bicuda, antes tomar um tapa a levar no rosto uma senhora tapona.

Ainda que seja um tabefe, a mão aberta inocenta Will. O tapa se distingue do soco por não machucar o rosto tanto quanto magoa a alma. A bifa não ficará pra história ao lado do soco de Vargas Llosa em García Márquez ou a mordida de Suárez. A tapona de Will Smith ficará guardada na mesma estante do sapato que o jornalista atirou na cabeça do Bush, da taça de vinho que Kátia Abreu jogou na cara de José Serra, das notas de dinheiro que um comediante fez chover na cara do presidente da Fifa, da cabeçada de Zidane.

Houve quem dissesse que o tapa era armado. Parecia mesmo encenação —como todo tapa. O tabefe pertence mais a um palco que a um ringue. Está mais pra performance que pra luta. Enquanto o soco transforma o receptor numa vítima, o tapa faz dele uma criança.

É possível superar um soco. Não é possível se esquecer de um tapa. Chris Rock sabe disso: fez uma série inteira sobre o medo de apanhar. Não sei se todo o mundo, hoje, odeia o Chris. Não consigo odiar. Apanhar é seu destino inescapável, sua sina.

Mas vamos falar de coisa boa. Um tapa pode, também, unir um país. Pelas últimas pesquisas, e pelo Lollapalooza, a imensa maioria do Brasil parece empenhada em esbofetear uma mesma pessoa. Que esse tapa venha sob a forma de uma derrota acachapante no primeiro turno.

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