Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.
Quem agradece em português acaba sempre criando uma obrigação
Quando alguém responde um 'imagina', me levo a imaginar que a pessoa acha que a retribuição não seria devida
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Estar no Brasil é, embora quase ninguém o note, um constante incentivo à criatividade e à invenção. Quando agradeço a um brasileiro, ouço quase sempre: imagina! E eu, obedientemente, imagino mesmo.
Na maior parte das vezes, tenho de começar por imaginar a própria palavra "imagina", porque me dizem apenas: "magina!". Uma das coisas que imagino é que me estão a tratar por Gina e a assinalar a minha maldade por ter agradecido.
"Obrigado."
"Má, Gina!"
Esta, claro, é uma das perigosas consequências de me mandarem imaginar.
Quando agradecemos, em português, exprimimos um compromisso. Em espanhol e italiano, eles dizem "gracias" e "grazie". Ou seja, dão graças pelo que receberam.
Em francês é igual: quem diz "merci" celebra uma graça, uma mercê. E em inglês e alemão acontece o mesmo.
No entanto, "obrigado" é coisa séria. Não se trata apenas de ficar grato. É a forma abreviada de dizer "fico-lhe obrigado". Estabelecemos a obrigação de retribuir o favor.
Como se não bastasse, há quem não se satisfaça com esse encargo que impõe a si mesmo, e recusa ficar apenas obrigado. Fica muito obrigado. Ou até obrigadíssimo.
A palavra obrigado tem lá dentro a palavra ligado. Através do mesmo processo linguístico utilizado pelas pessoas que dizem "probrema", nós transformamos em "obrigado" o original latino "obligado". O que significa que nós anunciamos uma ligação à pessoa a quem agradecemos. Ficamos ligados a ela. Quando nos respondem "por nada", estão a desobrigar-nos dessa promessa. Não temos por que ficar obrigados.
Mas, quando exclamam "imagina!", estão a fazer mais do que apenas dispensar-nos de uma retribuição. Estão a xingar-nos por termos considerado que essa retribuição seria sequer devida. "Imagina", no fundo, significa: "Imagina! Nunca ouvi tamanha bobagem! A sua proposta é completamente absurda!".
É um modo muito cruel de escarnecer da nossa boa educação. Aquele "imagina!" é, na verdade, um "por amor de Deus, não seja ridículo". Pelo menos, é isso que eu imagino.
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