Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.
Era previsível que o vício em redes tivesse o polegar como protagonista
É interessante que um simples dedo nos tenha dado uma vantagem extraordinária sobre os outros animais
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Não me admira que se chame à internet o "mundo digital", porque é com os dedos que a gente navega nele. Especialmente com o polegar.
O polegar desempenhou papel importante na evolução da raça humana, mas pode agora ser decisivo no seu retrocesso. É interessante que um simples dedo nos tenha dado uma vantagem extraordinária sobre os outros animais, porque nos permitiu agarrar tudo —e esteja neste momento dedicado a agarrar uma única coisa.
Na verdade, nem agarra: esfrega. Por todo o lado, seres humanos passam horas a esfregar o polegar nas telas dos seus celulares. Uma imagem, um texto ou um vídeo aparecem no celular e o polegar esfrega para cima.
Algumas vezes o polegar é mais calmo, outras é mais impaciente, mas ele mantém sempre a mesma obstinação de descobrir mais e mais imagens, textos e vídeos.
O polegar é um ditador insaciável. Se não gosta do vídeo, esfrega para cima para ver outro; se ele gosta, esfrega para cima para ver outro.
Só por distração, não reparamos que o polegar ocupou sempre um lugar central no nosso lazer e foi uma constante fonte de entretenimento. Quando pequenos, chupávamos o polegar para obter consolo, e em adultos continuamos a obter consolo através dele.
A diferença é que, usando o método antigo, acabávamos por adormecer. Usando o método novo não conseguimos dormir: a luz do celular não deixa. Talvez tenhamos de tirar o polegar do celular e voltar a metê-lo na boca.
Devíamos ter adivinhado. A etimologia bem avisou. A palavra empolgado —que significa arrebatado, excitado, entusiasmado— partilha a raiz etimológica com a palavra polegar. Empolgar é agarrar com o polegar. Quem fica empolgado com alguma coisa fica preso —preso pelo polegar.
Era previsível que o empolgante vício de ver o que se passa nas redes fosse protagonizado pelo polegar. Mas é um vício impossível de satisfazer.
O polegar está sempre à procura de outras coisas. As que tem à disposição não são suficientemente interessantes, mas ele acredita que vai encontrar aquilo que procura, embora não saiba exatamente o que é.
O imperador romano podia arruinar a vida de um gladiador apontando o seu polegar para baixo. Nós vamos arruinando a nossa própria vida esfregando o polegar para cima. Um vídeo de cada vez.
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