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Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

Perigo: mulher rindo

Apesar de Donald Trump ser um homem forte, eu nunca o vi rir, ele não arrisca

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"Os homens têm medo que as mulheres se riam deles; as mulheres têm medo que os homens as matem." Esta frase, normalmente atribuída a Margaret Atwood, é a sua própria demonstração prática. Ela é proferida por uma mulher que está a arriscar rir dos homens. E tem uma grande vantagem pedagógica —ridiculariza o medo de ser ridicularizado.

Estabelece uma distinção clara entre um ato de violência física e o ato de rir de alguém. Fazer isso é, hoje, prestar um serviço importante. Escuso de lembrar o episódio em que Chris Rock foi agredido por fazer uma piada, e a quantidade de gente que achou normal, e até apropriada, a resposta violenta de Will Smith a um conjunto de palavras.

Ilustração de Luiza Pannunzio para coluna de Ricardo Araújo Pereira de 18 de agosto de 2024 - Folhapress

Um argumento comum é o seguinte —a piada é mais grave do que o soco porque a agressão provoca dano físico, mas ser escarnecido causa dano psicológico. Com o devido respeito, quem pensa assim nunca foi alvo de uma boa agressão, e devia experimentar antes de teorizar sobre o assunto.

Vejam o caso vertente —o tapa em Chris Rock só causou dano físico? Ser agredido não causa dano psicológico para sempre, sobretudo quando a agressão ocorre perante o planeta inteiro? Haverá algum momento da vida de Chris Rock em que ele vai esquecer aquele dia, vai deixar de ser o homem agredido?

Donald Trump é conhecido por inventar apelidos para os seus adversários. Como tem pouca imaginação, o apelido é quase sempre o mesmo —"Crooked Hillary", "Crooked Joe Biden". Quer dizer desonesto, vigarista. Mas a Kamala Harris ele aplica outro epíteto —"Laughing Kamala". Ou seja, Kamala ridente, Kamala que ri. "Já a ouviram rir? Ela é louca", disse ele em vários comícios.

É uma ideia muito antiga, a de que uma mulher que ri é louca e perigosa —até porque constitui um perigo para os outros e para ela mesma. No início do século XX, em que os primórdios do cinema coincidiram com o auge da popularidade do vaudeville, os jornais americanos publicaram uma série de notícias sensacionais sobre mulheres que literalmente morriam de riso em salas de espetáculos.

O riso, que além do mais é do domínio do prazer e tem laivos de certa irracionalidade, não é para histéricas, que têm dificuldade em controlar-se —ao contrário dos homens, evidentemente. Só eles estão aptos a lidar com essa substância nociva.

No entanto, apesar de Trump ser um homem forte —passe o pleonasmo, claro—, capaz de enfrentar qualquer perigo sem medo, eu nunca o vi rir. Um homem que até sobrevive a tiros. Mas rir, curiosamente, ele não arrisca.

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