Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira

O melhor marqueteiro do universo

O Senhor forneceu a Trump o máximo de martírio com o mínimo de dano

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Segundo Donald Trump, "foi Deus que impediu que o impensável acontecesse", no atentado de que foi alvo. Ou seja, foi o Criador que evitou que a bala do atirador trespassasse Trump, o que seria impensável, fazendo com que ela fosse antes atingir um antigo bombeiro, cuja morte é bastante mais pensável.

Deus, nos intervalos de governar o universo, acompanha as eleições americanas, provavelmente através da Fox News, e não deixou que o candidato republicano fosse abatido a tiro. Em 1914, Deus não interferiu no homicídio do arquiduque Francisco Ferdinando, em Sarajevo, e em 1963 não objetou a que Kennedy fosse assassinado, em Dallas.

No desenho, Trump visivelmente ferido na orelha levanta o braço direito de punho fechado para o alto. Ele veste paletó e camisa. Está de boca aberta como quem fala ou melhor, grita e tem os olhos cerrados. Aparece da cintura para cima. Posicionado de forma que não vemos o outro lado de seu corpo. No rosto, além da orelha ensanguentada, há dois outros fiapos de sangue próximos.  Antes da imagem, do lado esquerdo, lemos duas frases em vermelho: máximo de martírio - mínimo de dano - separadas por uma gota vermelha (seria de sangue?).
Ilustração de Luiza Pannunzio para coluna de Ricardo Araújo Pereira de 21 de julho de 2024 - Luiza Pannunzio/Folhapress

Mas, desta vez, o Senhor resolveu salvar a vida de um candidato presidencial. No entanto, Deus fez muito mais do que isso: montou a maior operação de marketing político da história.

A campanha que Ele concebeu é excelente — e, tendo em conta o que um bom marqueteiro político costuma auferir, barata. Ao permitir que a bala raspasse na orelha de Trump, o Senhor forneceu-lhe o máximo de martírio com o mínimo de dano.

Trump pode dizer que levou um tiro, que sobreviveu a uma tentativa de homicídio, que derramou o seu sangue. O preço a pagar por isso foi: uma feridinha na orelha.

Eu já tive lesões mais graves a jogar futebol com os amigos. Mas Deus quis fazer de Trump uma vítima sem lhe infligir sofrimento significativo. Curiosamente, este tem sido um procedimento habitual do Senhor.

Toda a vida de Donald Trump tem decorrido exatamente assim: ele obtém o maior benefício despendendo o menor esforço. Trump começou com uns milhões de dólares oferecidos pelo pai, e quase não paga impostos sobre os rendimentos que tem.

Os escândalos em que se envolve não o beliscam, e nem sequer as condenações em tribunal o afetam. Em princípio, Deus tem tido um papel crucial em todas essas peripécias. E agora esta extraordinária ação de campanha eleitoral.

Trump, fazendo jus à sua inclinação para afirmações categóricas, pode dizer que foi vítima do melhor atentado de sempre. Um centímetro mais para a esquerda e Trump teria sido tanto uma vítima de atentado como todos os espectadores ali presentes. Seria apenas uma pessoa junto da qual uma bala tinha passado. Um centímetro mais para a direita e teria morrido.

É como se o Senhor estivesse a protegê-lo por ter um plano para ele. Fico mais descansado. Talvez isso signifique que a eleição de Donald Trump seja, no entender de Deus, a maneira mais eficaz de evitar uma guerra nuclear.

Ou então faz tudo parte de uma estratégia para cumprir o que vem escrito no livro do Apocalipse. Seja como for, Deus parece saber o que está a fazer. Haja alguém.

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