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Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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A The Economist errou, ainda que tenha razão

Tom inflamatório de reportagem, com incorreções, apunhalou o mercado global ESG

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Para os hesitantes, os críticos, os decepcionados ou os desconhecedores, a reportagem especial da revista The Economist da semana passada foi uma certidão de óbito das práticas ESG (sigla em inglês para práticas ambientais, sociais e de governança). Tanto o título de capa ("ESG: três letras que não vão salvar o planeta") quanto o tom duro da reportagem ("ESG é profundamente falho") geraram aflição no mercado. Para quem aplica estas práticas: será que erramos? Para quem estava pensando aplicar: se a The Economist é crítica, então deveremos abrandar o nosso entusiasmo.

Durante a semana as mensagens pingaram como torneira mal fechada. Concordo ou discordo? O que aconteceu? Li as 11 páginas sem espírito sindicalista, para, logo à partida, concordar com críticas validíssimas ao mercado ESG.

Capa da edição de 23 de julho da The Economist traz a frase: "ESG: Três letras que não salvarão o planeta" - @TheEconomist no Twitter

Falta uniformidade em práticas, mensurações e conceitos, o que torna impossível sabermos qual é o volume de ativos sob gestão que incorpora práticas ESG, possibilita que cada gestora crie as suas próprias regras como se fosse o "Oeste Selvagem" com Paul Newman, e facilita que ESG se torne uma ferramenta de marketing.

Destaca também que a relação causal entre sustentabilidade e performance financeira não é uma inevitabilidade e que as agências de rating ESG apresentam falta de confiabilidade, comparabilidade e transparência. Somando-se às críticas da Organização Internacional das Comissões de Valores (Iosco), solta o seu espanto com agências que combinam serviços de consultoria com o fornecimento de dados ESG, em claro conflito de interesses.

Todas estas críticas foram expressas inúmeras vezes, por inúmeras pessoas, incluindo repetitivamente por esta coluna.

Mas a reportagem apresenta, a meu ver, quatro incorreções.

Em primeiro lugar, existe facciosismo na coleta de dados e na exposição das críticas. Há um tom sentenciador e evangelizador. A reportagem não ouve, de forma equilibrada, tanto os censuradores quanto os padroeiros da causa para permitir que o leitor forme julgamentos. Apresenta-se um único preceito e recolhem-se apenas os depoimentos e artigos acadêmicos que o possam consubstanciar, sem contraditório.

Por exemplo: duvida da performance financeira de fundos ESG e cita dois artigos acadêmicos, mas negligencia centenas de outros estudos econométricos que conseguem provar correlações positivas entre sustentabilidade e rentabilidade. Este é um tema sensível que requer ponderação e racionalidade, não messianismo a favor ou contra.

Argumenta que as gestoras repaginam de ESG os seus fundos para poderem cobrar taxas de administração mais rechonchudas. O exemplo que é dado são ETFs ESG, com comissões de gestão cerca de 50% mais altas do que ETFs não ESG. Mas esta prática não é generalizada em todas as classes de ativos. A vasta maioria das gestoras que integram ESG em equities, renda fixa ou em mercados privados não cobra mais por isso. Se o fizessem, seriam vistas com cepticismo pelo mercado. E se existem muitas gestoras que maquiam práticas ESG para iludir clientes, muitas outras fazem um trabalho sério.

Cita também um estudo acadêmico para ilustrar que a prática de desinvestimentos –quando um investidor vende as suas participações em empresas com externalidades negativas (por exemplo, tabaco, armamento ou petróleo)– é financeiramente irrelevante e não aumenta o custo de capital das empresas desinvestidas. Mas vários outros estudos demonstram o inverso. Ironicamente, um deles da própria The Economist, de junho de 2015, que provou que, durante o apartheid na década de 1980, o custo de capital de empresas sul-africanas desinvestidas subiu.

Além disso, a reportagem aponta o dedo em riste às cavidades no mercado ESG, mas omite todas as iniciativas que o mercado está desenvolvendo para as preencher. Reage com fúria à falta de regulamentação adequada, mas não dá voz a todas as iniciativas que estão sendo desenvolvidas nos EUA, Reino Unido, União Europeia, China ou Emirados Árabes.

É como matar uma criança por não ser adulta. Não é intelectualmente respeitável criticar a indústria ESG como um todo quando as suas práticas ainda estão em formação ou consolidação. Podemos criticar a lentidão com o que o mercado está criando uma infraestrutura de apoio para servir de andaime ao mercado ESG, podemos criticar como a ainda textura elástica de ESG está facilitando o espertismo corporativo, mas ainda é cedo para fuzilarmos ESG como uma viável ferramenta de geração de valor financeiro, social e ambiental.

O repórter e os vários editores da matéria também deveriam ter parado mais vezes para respirar. A The Economist é a revista mais influente no mercado corporativo e o tom condenatório das manchetes tem potencial para sugestionar comportamentos. Mas lá dentro do longo texto encontram-se pequenas contradições com o perfil inflamatório dos títulos e das linhas finas. Afinal de contas, ESG, diz o autor, até pode ser positivo. "Se os investidores investirem com horizontes de longo prazo, faz sentido adotarem mecanismos de gerenciamento de risco para rastrearem empresas no que respeita a problemas como mudanças climáticas, danos regulatórios ou reputacionais." No final, escreve-se "os investimentos sustentáveis não desaparecerão". O problema é que a maioria dos que passaram a citar a matéria da The Economist não leram integralmente o texto.

A solução final apresentada –as práticas ESG deveriam se concentrar apenas em temas ambientais (o E) e na contabilidade das emissões– também é reducionista. ESG tornou-se exageradamente complexo, mas a solução não é torná-lo exageradamente simplista. As mudanças climáticas não são um tema exclusivamente ambiental porque têm potencial de afetar dezenas de fatores sociais, como a desigualdade social. E será que deveremos sacrificar dezenas de anos de conhecimento acumulado sobre os impactos da governança corporativa no desempenho financeiro de uma empresa simplesmente porque a revista acha que "a arte da gestão de uma empresa, ou G, é sutil demais para ser capturada pelo mero cumprimento de requisitos".

Contrariamente ao histórico da The Economist, esta reportagem especial é assinada: Henry Tricks. O jornalista da casa também é palestrante profissional e, no site da agência que o representa, ele é apresentado da seguinte forma:

"Henry se tornou um palestrante muito procurado por empresas que investem em ESG. As questões Ambientais, Sociais e de Governança corporativa são imperativas para o sucesso dos negócios à prova de futuro, pois a importância da responsabilidade para as corporações é primordial. Apoiando-se a sua experiência, tendo escrito sobre este tema ao ritmo em que ele foi progredindo, Henry é demandado por seu conhecimento comprovado na área."

O Henry jornalista e o Henry palestrante não são compatíveis. Qual sobreviverá?

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