Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares
Descrição de chapéu desmatamento

Monitoramento da Amazônia e do cerrado não está em risco, diz diretor do Inpe

Clezio Marcos De Nardin fala sobre desafios atuais da instituição

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Desde 1961, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) realiza um extenso cardápio de estudos sobre o espaço exterior e o ambiente terrestre. É um reconhecido centro científico sobre o tema na América Latina. Mas é o monitoramento da Amazônia que lhe dá visibilidade pública e o arremessa para a fogueira política cada vez que anuncia dados anuais de desmatamento da Amazônia.

Em entrevista à coluna, o diretor do instituto, Clezio Marcos De Nardin, nomeado em 2020 e avesso a especiarias políticas, falou sobre os desafios atuais da instituição, em um momento que a preservação dos biomas brasileiros voltou a envergonhar o país e a atiçar o desdém da comunidade internacional contra o presidente da República.

Em 2021 o INPE fechou com o menor orçamento em dez anos, despertando alertas públicos sobre o seu estrangulamento operacional e o risco de congelamento do monitoramento da Amazônia e do cerrado. De Nardin não nega as restrições, mas ressalta que a "tendência de queda orçamentária não é de hoje. Ela começou em 2010 e vem ocorrendo ao longo de toda a última década." Em 2012 o orçamento era de R$ 146 milhões, caindo para R$ 86 milhões em 2021.

Árvore caída em meio a região queimada
Desmatamento recente no município de Apuí, no sul do Amazonas - 11.set.2020 - Lalo de Almeida/Folhapress

Em 2022, o Inpe tem conseguido reverter esta situação, "com um pequeno aumento na Lei Orçamentária Anual (LOA) deste ano e com recursos extraorçamentários obtidos através do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNCDT) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Com isso, podemos afirmar que não, o Programa de Monitoramento da Amazônia e do cerrado não estão em risco" afirma o direto.

Atualmente, os dados oficiais de desmatamento na Amazônia são aferidos pelo Inpe por meio do Prodes (Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite), que utiliza imagens dos satélites da série Landsat, da Nasa/USGS (EUA).

Mas se o Brasil conhece bem o rito anual de anúncio de dados de desmatamento, com o mesmo formato desde 1988, não será possível melhorar a qualidade desses dados, com a utilização de novas tecnologias e práticas, elevando o Inpe a um maior grau de sofisticação e precisão na recolha de dados?

A acurácia dos dados, segundo o diretor, foi melhorando ao longo do tempo com a introdução de novos sensores e satélites. Atualmente, "é superior a 93% para os dados do Prodes, conforme já foi reportado em publicações científicas".

O Inpe também adota uma política de transparência desde 2004, permitindo "o acesso completo a todos os dados gerados pelos sistemas de monitoramento. Com isso, é possível que instituições independentes façam suas próprias avaliações independentes, incluindo o governo em suas várias instâncias, a academia e a sociedade como um todo."

Além disso, "com os avanços das tecnologias de aprendizado de máquina (machine learning) e o aumento da disponibilização de imagens de sensores remotos disponíveis no mercado mundial, os projetos do Inpe vêm aprimorando suas metodologias, implementando algoritmos de inteligência artificial, com posterior validação dos resultados e proporcionando, assim, a manutenção da qualidade da informação", destaca De Nardin.

Apesar dos avanços, ainda há trabalho a fazer. O Inpe/Prodes ainda não consegue disponibilizar dados mensais de desmatamento, apenas anuais, o que seria fundamental para um monitoramento mais apertado dos biomas brasileiros. Segundo o diretor, isto está nos planos da instituição através do Programa de Monitoramento dos Biomas Brasileiros (BiomasBR-MCTI), que tem como objetivo expandir os sistemas operacionais atuais de monitoramento e agregar processos inovadores, "permitindo o monitoramento de mudanças da cobertura terrestre, a contabilidade de carbono, a quantificação da poluição atmosférica e dos riscos climáticos para as principais atividades econômicas."

Dados mensais também seriam uma ferramenta essencial para conseguirmos identificar com mais precisão quais os governos federais que mais contribuíram para a destruição de valor ambiental. Os dados oficiais do Inpe de desmatamento (de 1° de agosto de um ano até 31 de julho do ano subsequente) não coincidem com os períodos dos mandatos presidenciais. Além disso, é necessário termos em consideração que as novas diretrizes de um presidente recém-empossado em relação à preservação ambiental, sejam elas positivas ou negativas, levam um certo tempo a serem absorvidas pelas dinâmicas locais na Amazônia. Anúncios de inflação ou qualidade de ensino, realizados alguns meses depois da tomada de posse, também não podem ser imputáveis ao novo ocupante do Planalto.

Com os dados anuais do Inpe é possível afirmar com segurança que as cinco maiores taxas de desmatamento anual, desde 1988, foram atingidas, por ordem decrescente, nos anos de 1995, 2004, 2003, 2002 e 1988, nos governos de FHC, Lula e Sarney. Também é possível afirmar que os 13.235 km² de floresta amazônica desmatada entre 1º agosto de 2020 e 31 de julho de 2021 representam um aumento de 75% sobre os desmates de 2018, ano em que Bolsonaro venceu as eleições. Mas para registrar a culpa presencial no cartório, precisamos de dados mensais.

Outro desafio futuro para o Inpe seria monitorar quem causa o desmatamento e quando a floresta é desmatada, através de satélites com mais precisão. Os dados do Inpe têm valor ecológico, científico e político, mas carecem de viabilidade judicial. Porém, o diretor do instituto descarta esta possibilidade: "o INPE/MCTI não tem como missão monitorar quem causa o desmatamento. Nossa missão está associada primordialmente à pesquisa e a entrega de um número confiável e auditável, com base numa metodologia clara e pública".

Ademais, seria fundamental que houvesse troca de dados e de boas práticas de monitoramento de desmatamento entre todos os países amazônicos (Brasil, Peru, Bolívia, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname), porque as causas do desmatamento, sejam elas naturais ou atribuíveis à ação antrópica (agricultura intensiva, atividade pecuária, extração de madeira, mineração), são, muitas vezes, transfronteiriças. O mesmo acontece com as taxas anuais de emissões de gases de efeito estufa, cuja apuração deveria ser apoiada por todos os países amazônicos. No Brasil, estes dados são computados pelo INPE, no contexto da Estratégia Nacional de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (ENREDD+).

Mas o trabalho internacional é escasso. Clezio Marcos De Nardin salienta que "o Inpe/MCTI tem assento em várias comissões do Conselho Nacional da Amazônia Legal (Cnal) e segue uma política de dados abertos." Além disso, colabora com os países da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica) provendo "treinamentos na unidade do Inpe/MCTI em Belém (PA) e online", mas a preservação da Amazônia continua sendo gerida de forma fatiada e com os dentes afiados pelo patriotismo de cada um dos países amazônicos. A pequenez do Brasil é fruto da sua grandeza.

Por que a imprensa brasileira não noticia os dados de desmatamento da Colômbia ou Peru e as suas políticas de prevenção? Ou os dados bolivianos ou venezuelanos de destruição da biodiversidade amazônica para permitir comparações com o desempenho brasileiro? O monitoramento do desmatamento da Amazônia e do cerrado precisa de mais atenção de todos.

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