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Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

Descrição de chapéu mudança climática

Que países vão receber os refugiados brasileiros?

Historicamente, o Brasil é um país de acolhimento e não de origem de refugiados. A crise climática ameaça inverter essa realidade

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Por estes dias, enquanto a nossa atenção estava no dedo médio de Elon, o dedo em riste de Alexandre e nos três dedos de Pablo, entrou em vigor o Tratado de União Falepili Austrália-Tuvalu, um marco para a cooperação internacional.

O tratado reconhece a ameaça existencial que a mudança climática representa para Tuvalu, um pequeno país no Pacífico com 10 mil habitantes, e destaca a disposição da Austrália em auxiliar na possível relocação da população, caso isso se torne necessário.

Maré alta em Tuvalu, na Polinésia - Tuvalu Meteorological Service/via REUTERS

É um acordo singular, pois uma das partes, Tuvalu, admite que pode desaparecer. Antes que isso aconteça, a Austrália se compromete a aumentar a sua ajuda ao desenvolvimento e a apoiar os esforços de Tuvalu na adaptação à mudança climática.

Enquanto a comunidade internacional vai flanando entre cúpulas anuais do clima sem conseguir aprovar mecanismos para atender às necessidades financeiras dos países em desenvolvimento em sua luta contra a mudança climática, a Austrália fê-lo bilateralmente.

Além disso, sem que o tratado use o termo "refugiado climático", é o primeiro acerto bilateral que prevê a mobilidade de pessoas devido à emergência climática. Atualmente, à luz do Direito Internacional, o termo "refugiado" só se aplica a pessoas forçadas a deixarem os seus países de origem devido à perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas. O tema é regulado por uma convenção internacional de 1951, refletida no Brasil na lei nº 9.474 de 1997. Dados da ONU indicam que há 1,038 brasileiros a viver no exterior nesta condição, um número comparativamente baixo.

O conceito legal de refugiado não se aplica a pessoas forçadas a se deslocarem para outros países por eventos relacionados ao clima, como enchentes, tempestades, secas, fogos florestais e temperaturas extremas.

Mas este cenário poderá mudar. Em 2020, o Comitê dos Direitos Humanos da ONU determinou que países não podem deportar pessoas que sentem que a sua vida está imediatamente ameaçada por eventos ligados à mudança climática. Uma proposta no Congresso da deputada Erika Hilton (PSOL) reconhece a existência de "refugiados climáticos". Na Europa, o Pacto Ecológico de 2020 admite que a mudança climática pode desencadear conflitos violentos, insegurança alimentar e a deslocação forçada de populações.

A migração climática global será cada vez mais comum. Um think-tank prevê que 1,2 bilhão de pessoas poderão ser deslocadas até 2050. Segundo a ONU, atualmente esse valor é de cerca de 20-30 milhões de pessoas por ano.

A legalização do estatuto de refugiado climático seria uma das maiores inovações ao sistema internacional de refugiados desde a criação do Alto Comissariado dos Refugiados Russos da Liga das Nações (1921) e, sobretudo, desde a constituição do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (1951). Mas teria várias consequências geopolíticas. Países emissores de grandes quantidades de gases de efeito estufa poderiam ser pressionados a fornecer assistência financeira e humanitária, incluindo acolhimento, aos países mais vulneráveis.

As nações mais resistentes à crise climática enfrentariam também uma pressão crescente para acolher um número cada vez maior de refugiados. A crise climática desencadearia um êxodo sem precedentes, com alguns países perdendo parte substancial de sua população ativa sem que os seus governos fossem, necessariamente, os responsáveis imediatos pelo flagelo. A patologia climática é mais global do que local.

O Brasil, que hoje é um dos líderes mundiais em acolhimento de pessoas em necessidade de proteção internacional, com mais de 793 mil pessoas oriundas de 168 países vivendo em território brasileiro (segundo dados ACNUR de julho de 2024), pode experimentar uma inversão nesse cenário com o reconhecimento do status de ‘refugiado climático’. Mais de 2,5 milhões de moradias brasileiras foram danificadas por desastres naturais entre 2013 e 2023, afetando mais de 5 milhões de pessoas (dados CNM).

As enchentes recentes no Rio Grande do Sul causaram mais de meio milhão de desalojados. Algumas regiões do Brasil, como o Nordeste, são mais vulneráveis aos efeitos da mudança climática, como a seca. O governo federal mapeou 1.942 municípios suscetíveis a desastres ambientais e, em 2023, o país registrou 1.161 desastres naturais, como transbordamento de rios e deslizamentos de terra.

O país pode, assim, se tornar uma fonte de deslocados climáticos em busca de segurança e melhores condições de vida. Muitos procurarão soluções dentro do vasto território nacional. Outros cruzarão fronteiras. Mas para onde irão? Quem os acolherá? Se forem os países fronteiriços, isso impactará a hierarquia geopolítica existente e agravará as precárias condições dos vizinhos. Se forem os países desenvolvidos, os brasileiros terão de competir por espaço com refugiados de vários outros pontos do mundo. Resistirá o Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados-Membros da famigerada Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)?

Sem alarmismos, o Itamaraty ganharia em começar a incluir cláusulas de acolhimento mútuo de refugiados climáticos em novos acordos de cooperação bilateral, como fizeram a Austrália e Tuvalu. Vamos cruzar os dedos.

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