Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares
Descrição de chapéu Folha ESG mudança climática

ESG morreu

Por que empresários e investidores ainda isolam e dão destaque a práticas ESG?

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Escrevo depois de ter lecionado 8h para alunos de finanças corporativas e mercados financeiros sobre a importância da sustentabilidade corporativa e das finanças sustentáveis.

As aulas geralmente terminam com a conclusão, feita pelos próprios alunos, de que ESG irá em breve morrer —como estratégia diferenciada de investimentos ou como prática corporativa nichada. "O futuro de ESG é não falarmos sobre ESG."

Painéis solares em universidade na Califórnia, nos Estados Unidos
Painéis solares em universidade na Califórnia, nos Estados Unidos - Nathan Frandino/Reuters

O professor Alex Edmans da London Business School, entre tantos outros colegas, têm chegado a conclusões semelhantes. Escreve ele que "ESG é extremamente importante e nada especial".

Especialistas em ESG que trabalharam em instituições financeiras globais, como Desiree Fixler ou Stuart Kirk, defendem o mesmo ponto de vista.

Explico: práticas, políticas e métricas de sustentabilidade estão deixando de ser consideradas isoladamente, como um nicho, passando a fazer parte de uma visão sistêmica corporativa ou financeira.

Em muitos países, diluíram-se com outras práticas empresariais e outros elementos que geram valor financeiro. O Brasil está atrasado, mas caminha na mesma direção.

Para investidores, a análise de riscos ESG é incorporada a uma lista maior de riscos de mercado, cambiais ou políticos que podem impactar a dinâmica financeira de um ativo.

Para um investidor, por exemplo de private equity, seria tão irresponsável negligenciar o impacto das alterações climáticas no valor de uma empresa quanto não levar em conta o risco de uma empresa exportadora incorrer em perdas financeiras devido às flutuações cambiais.

As tradicionais agências de risco de crédito (S&P, Moody’s, Fitch) têm comprado várias agências de rating ESG para incluírem, entre as centenas de indicadores que contabilizam, também informações ESG. Deixou de ser possível darem uma nota de crédito sem integrarem riscos ESG.

Se hoje, na legislação de vários países (Brasil, Singapura, Reino Unido, estados-membros da União Europeia, entre outros), os fundos de investimento são categorizáveis em fundos responsáveis, sustentáveis e fundos que não levam em consideração práticas ESG, em breve todos os fundos integrarão dados ESG em suas teses de investimento e mensurarão os seus impactos positivos e negativos.

O novo nome dos "fundos de investimento ESG" será "fundos de investimento".

A mesma lógica de fusão se aplicará a instrumentos de dívida (debêntures e crédito), ao reporte das empresas (fusão entre relatórios financeiros e relatórios de sustentabilidade sob a batuta da IFRS) e ao organograma das empresas (deixará de haver departamentos de sustentabilidade porque todos os funcionários deverão adquirir aptidões em sustentabilidade).

Até algumas escolas de negócios, como a reconhecida INSEAD, estão deixando de oferecer cadeiras em sustentabilidade. Em contrapartida, todas as outras cadeiras absorveram princípios e práticas do tema.

Quando eu fui contratado como professor de finanças sustentáveis, há 4 anos, eu disse ao diretor da escola que o meu cargo teria um prazo de validade de no máximo uma década. Errei, será mais curto.

Quando ESG ganha destaque eu torço o sobrolho. É como analisar as quase 100 mil peças de um carro e afirmar que as quatro rodas ou a válvula termostática são mais relevantes do que a caixa de marchas. Qual a lógica?

É possível analisar os 206 ossos do esqueleto de uma pessoa adulta e afirmar que a saúde humana depende principalmente do fêmur por ser o mais longo ou da coluna vertebral por proteger a medula espinhal? Um CEO de uma empresa ou um investidor é um Dr. House, não um ortopedista especialista em metatarsos.

Se uma empresa faz alarde público sobre as suas práticas de sustentabilidade, geralmente é porque está mais interessada em relações públicas ou comunicação corporativa do que no real valor da sustentabilidade.

Quando tratamos ESG como uma celebridade, como ainda acontece muitas vezes no Brasil, a tendência é para que tudo se torne ESG. Mesmo variáveis que sempre fizeram parte de uma análise financeira, como satisfação dos funcionários, direitos acionistas ou políticas de transparência fiscal, passaram a ser ESG.

ESG é a St. Tropez do mercado corporativo, o local que os ricos querem frequentar. Mesmo quem só tenha dinheiro para passar férias nas cidades vizinhas de Sainte-Maxime ou Port Grimaud, volta para casa de peito cheio sobre a Riviera Francesa.

O objetivo inicial das métricas ESG, como explicitou a esta coluna um de seus inventores, era fazer um recorte específico, entre milhares de indicadores que afetam a performance financeira de uma empresa.

Mas nunca houve consenso sobre que métricas deveriam entrar nessa categorização. Depende do setor industrial, do tamanho da empresa, dos horizontes temporais da nossa análise, de metodologias de materialidade, se a empresa é cotada ou privada, entre outros fatores. Com o tempo, ESG deformou-se para ser tudo e não ser nada.

As alterações climáticas, por exemplo, são um tema exclusivamente ambiental (E)? Ou o seu impacto e relevância financeira extravasam a camisa de força do ESG sendo relevantes no contexto sistêmico de uma empresa?

Os mercados de carbono são um tema a ser gerido pelo departamento de sustentabilidade ou pelo departamento financeiro de uma empresa?

Felizmente que esta Folha, que cobre ESG praticamente desde a sua fundação centenária, como retratei neste artigo de 2021, deixou de ter um caderno especial sobre ESG. As empresas deveriam seguir o exemplo.

A sustentabilidade corporativa deve ser simplesmente vista como gestão corporativa e as finanças sustentáveis nada mais são do que finanças em estado puro.

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