Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares

Em novembro, iremos ouvir falar sobre a NCQG

Conferência poderá ser marco importante no combate à crise climática

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O recorde mundial de ficar sem respirar debaixo de água é 24 minutos e 37 segundos. A ONU, que organiza as célebres conferências anuais sobre alterações climáticas (COPs), também achou que iriamos ficar em apneia até o Brasil organizar a COP30, em Belém, em 2025. O evento de 2024, a ser organizado no Azerbaijão, seria apenas uma sala de espera, um trâmite burocrático.

Porém, esta semana, Elnur Soltanov, o presidente azerbaijano da COP29, respirou fundo e reiterou que o seu país tem planos ambiciosos. Um deles em particular tem chamado à atenção: a adoção de uma ambiciosa Nova Meta Quantificada Coletiva de Financiamento Climático (NCQG, na sigla em inglês), um mecanismo para atender às necessidades financeiras dos países em desenvolvimento em sua luta contra as mudanças climáticas.

COP28, em janeiro de 2024, em Dubai (Xinhua/Wang Dongzhen)

Em 2009, na COP15 de Copenhague, acordou-se que, até 2020, a comunidade internacional deveria mobilizar recursos anuais de US$100 bilhões com o mesmo objetivo. A meta foi atingida em 2022. Mas a captação e a aplicação destes recursos têm sido relativamente opacas e ineficientes. É possível fazer mais e melhor, dizem os azerbaijanos. Países em desenvolvimento –os mais afetados pelas alterações climáticas– necessitam de recursos financeiros significativos para implementar estratégias de mitigação e adaptação, construir infraestruturas resilientes e fazer a transição para sistemas de energia sustentáveis.

A adoção da nova NCQG está atrasada, estamos apenas a três meses do evento. E há quatro pontos de atenção. Primeiro, qual será o valor da NCQG? É o "quantum" no jargão climático. O critério não poderá ser a disponibilidade orçamentária dos doadores, mas as necessidades reais dos beneficiários. Quanto custa a transição energética anualmente? Não há consenso, depende da metodologia aplicada e da fonte da informação: $1.5 trilhão (UNCTAD), $3-6 trilhão (IMF), $9 trilhão (Climate Policy Initiative) ou até $14 trilhão (Aviva). Nas negociações prévias, os países ricos, o Grupo Árabe e o grupo dos Países Menos Desenvolvidos (LDCs) não têm chegado a um consenso relativamente ao valor.

Quem paga? O Acordo de Paris de 2015 usa o termo "países desenvolvidos", 19 letras genéricas e especulativas. A COP29 deveria aprovar uma definição mais clara que contabilizasse, por exemplo, volume de emissões nacionais de carbono, população e PIB. Sem estas clarificações, a China, o país mais poluente e a segunda maior economia do mundo, poderá afirmar que tem um PIB per capita de apenas 13 mil dólares, o que a coloca na posição 68º em nível mundial. Em Beijing, haverá quem ache que o país deverá ser um receptor da NCQG e não um contribuinte.

Quem monitora e fiscaliza? Deve ser criado um robusto mecanismo de acompanhamento e avaliação dos fluxos financeiros com parâmetros e mecanismos de reporte claros. Essa transparência é crucial para garantir que os fundos sejam utilizados de forma eficaz e alcancem os beneficiários pretendidos.

O Acordo de Paris de 2015 já prevê um Quadro de Transparência Reforçado (Enhanced Transparency Framework – ETF, no original). É um bom ponto de partida.


Que tipo de financiamento? A NCQG não pode ser um cheque em branco de um governo para outro governo. Deve incluir todo o tipo de instrumentos financeiros, de crédito a investimentos e a ajuda humanitária. E deve atrair capital privado. A transição energética gera significativas oportunidades capitalistas que devem ser aproveitadas por investidores institucionais, bancos internacionais e gestoras de ativos. Cerca de um terço de todos os ativos sob gestão no mundo (AUM) já incluem informações ESG. Os investidores devem participar da COP29 não apenas para fazerem anúncios cromáticos de metas net zero mas para contribuírem para as decisões políticas.

Será muito interessante acompanhar o Brasil nos próximos meses. Posicionar-se-á como um doador para a NCQG (por brio lulista) ou como um beneficiário (seguindo a sua verve para a cooperação Sul-Sul)? E apoiará o Azerbaijão nas negociações ou irá, sorrateiramente, tentar melá-las para que o anúncio triunfante da NCQG seja feito em território brasileiro? O que será mais importante para o governo: a política climática ou fazer política com o clima?

A semana passada, os ministros do Meio Ambiente do Brasil, África do Sul, Índia e China emitiram um comunicado que insinua que um entendimento à volta da NCQG será complexo, expressando "profunda preocupação com as tentativas dos países desenvolvidos de diluir suas obrigações legais de financiamento climático por meio de sugestões de ampliação da base de contribuintes". Ou seja, este grupo de países, que inclui dois dos maiores poluidores do mundo e três das maiores economias planetárias, acha que não tem de fazer nenhum Pix.

Mas a melhor fatia do comunicado oficial é a que afirma que os ministros esperam que a COP29 no Azerbaijão "prepare o terreno" para uma "COP30 ambiciosa, a ser realizada pelo Brasil em 2025." O recorde mundial de ficar sem respirar debaixo de água é de um croata, não de um azerbaijano. O Brasil tem que permitir que o Azerbaijão inale e exale à vontade.

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