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Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

Não realizar prejuízo é falácia que vale para ações ou casamento infeliz

Não se deve se prender a algo que não tem futuro, não importa o quanto foi investido

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O casamento perfeito é renegociado diariamente, aquele no qual todo dia olhamos para a pessoa amada, pensando: sim, quero envelhecer ao seu lado. 

Nisso não é muito diferente de escolher as ações que devemos manter em um portfólio de investimentos.

Infelizmente, quase todo o mundo já, alguma vez, demorou demais para terminar um relacionamento que azedou. A razão para isso é a falácia dos custos afundados.

Em vez de projetarmos o futuro, ficamos pensando na história que foi construída ou nos filhos que estão crescendo. Mas decisões corretas olham para o futuro. A história não importa se não houver futuro possível.

No campo financeiro, muitos se prendem a custos afundados. Um amigo uma vez comprou R$ 5.000 em ações da OGX por R$ 10, sob a justificativa de ter visto que o papel já teria valido R$ 22. Quando caiu a R$ 5, comprou mais R$ 5.000 em ações, para fazer com que o preço médio do papel para recuperar o investimento inicial fosse de R$ 7,5. 

O empresário Eike Batista em evento para celebração do início da produção de petróleo da OGX, então sua empresa - Daniel Marenco - 26.abr.12/Folhapress

A ação desabou para R$ 2, e ele me ligou aflito. Eu disse para ele vender tudo, porque estimei o valor justo da ação, naquele momento, em R$ 1. Ele foi teimoso e enfiou mais R$ 10.000 na OGX (afinal, a ação estava em R$ 3,5 meros dias antes). 

Quando a ação chegou a R$ 0,10, eu de novo falei para ele vender e colocar o pouco dinheiro que sobrou em algo que talvez tivesse futuro. Ele preferiu deixar o dinheiro lá: ferrado, ferrado e meio.

Conheço muita gente que justifica a teimosia com a ideia de não realizar prejuízo. Mas é falácia que vale para ações ou casamento infeliz. Não se deve se prender a algo que não tem futuro, não importa o quanto foi investido. Bola para a frente.

 

Decidir com foco no futuro não significa esquecer a história, mas saber quando dados passados são relevantes e quando podem ser descartados.

Um exemplo de relevância é o legado de André Rebouças (1838-1898), mais conhecido como nome de túnel no Rio de Janeiro do que como um dos maiores gênios da história (se não o maior) do país. Joaquim Nabuco se referiu a ele como matemático, astrônomo, botânico, geólogo, moralista, higienista, filantropo, poeta e filósofo. 

Rebouças, negro, iniciou sua trajetória intelectual como autodidata, depois se tornou advogado e engenheiro. Enfrentando o racismo institucional, lutou pela abolição da escravidão e pela inserção dos negros na sociedade.

A atualidade de muitas de suas ideias, rejeitadas na época, espanta: conservação de florestas, investimentos em portos e estradas, despoluição das baías de Sepetiba e da Guanabara, liberdade de comércio internacional, limitação dos privilégios às empresas nacionais e luta por educação básica universal de qualidade. 

É reconfortante saber que ele vai ser personagem central de “Isabel do Brasil”, filme de Mauro Mendonça Filho sobre nosso maior vexame, o de último país a abolir a escravidão.

Duas das propostas de Rebouças, de imposto sobre terras (com cadastro nacional de propriedade!) e cotas raciais associadas à expansão do sistema de ensino, acabaram saindo do papel mais de cem anos depois. 

O ITR, maior para terras sem uso, praticamente acabou com os latifúndios improdutivos (sua proposta também trazia uma reforma agrária). 

Por sua vez, as cotas inseriram no sistema muitas pessoas que teriam poucas chances sem elas, e há consenso científico de que os benefícios são enormes. 

André Rebouças, ontem, consegue ser mais avançado do que a vanguarda do atraso, hoje.

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