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Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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Rômulo Saraiva

A fila do INSS vira caso de polícia entre Lupi e associação de peritos

Associação acusa Carlos Lupi de censura prévia, enquanto o Ministério da Previdência Social diz que está sendo vítima de uma campanha com inverdades

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Depois que os médicos peritos do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) ganharam independência institucional e hierárquica, a ponto de não mais se vincularem totalmente às diretrizes emanadas pelo ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, a relação que já não vinha boa azedou de vez quando a "fila do INSS" tornou-se o centro de uma briga institucional.

Atendimento do posto do INSS da Av. Eng. George Corbisier no Jabaquara para o guia de benefícios. Sala de espera para perícia médica - Folhapress

Carlos Lupi e a Associação Nacional dos Médicos Peritos (ANMP) divergem acerca da fila e, principalmente, sobre a solução do governo em adotar o Atestmed para reduzi-la, em detrimento da contratação imediata de mais médicos ou pagamento de bônus aos atuais médicos peritos, além de uma batalha envolvendo acusação de censura e inverdades.

Esse foi o estopim para a troca de ofensas e a interpelação criminal do ministro contra o presidente da ANMP, Luiz Carlos de Teive e Argolo, para dar explicação em juízo sobre matérias ridicularizando Carlos Lupi, processo que foi arquivado. Mas depois foi ajuizada outra ação judicial em Brasília. Em nota, a ANMP esclarece que a utilização de um inquérito policial teria o "objetivo de tentar criminalizar a atuação e os discursos da ANMP e de seus dirigentes".

Além de virar caso de polícia, com investigação pela polícia em Brasília, há uma batalha de acusações e processos judiciais. No meio disso tudo fica a população, pois depende que o serviço público funcione em harmonia, o que justamente está faltando agora entre a categoria dos médicos e o Ministério da Previdência Social.

Cartaz da greve dos servidores do INSS na agência da rua Xavier de Toledo, na região central de São Paulo - Guilherme Bento/Folhapress

Como a ANMP teve muito desgaste e greve na gestão de Bolsonaro, a sensação era de que no governo petista tudo iria ficar às mil maravilhas, principalmente porque no discurso de posse Lula demonstrou preocupação com a fila de atendimentos do INSS. Ledo engano.

Em janeiro de 2023, no início do governo Lula, a ANMP mandou um ofício sugerindo ideias à nova administração para reduzir a fila, a exemplo de contratar mais 3 mil peritos, pagamento de bônus para processo parado há 45 dias, rigor na triagem de novos pedidos e suas remarcações.

Na mesma oportunidade, a associação se mostrou contra a telemedicina e análise e concessão automática de benefício por incapacidade apenas com a apresentação do atestado médico, tal qual o modelo usado via Atestmed. Esses dois pontos são justamente o que o não foi atendido pelo governo, inclusive o Atestmed que vem batendo recordes de concessão.

O que poderia ser só uma divergência de opinião e crítica política-administrativa virou caso de polícia e os ânimos estão extremamente acirrados entre Carlos Lupi e a direção da ANMP. A engrenagem da confusão perpassa pela relação de causa-efeito que as políticas públicas dependerão do futuro da colaboração dos médicos peritos.

A concessão automatizada do Atestmed gera a diminuição da fila do INSS, pois mais benefícios são concedidos rapidamente e sem passar pelo crivo do médico. O problema é que o governo deseja, num segundo momento, fazer uma operação pente-fino nesses milhares de benefícios. E para isso vai precisar contar com a adesão facultativa dos médicos peritos do INSS, para eles trabalharem a mais e ganharem um bônus por isso. Esse é o principal ponto de tensão. Para o pente-fino funcionar a contento, é necessário que os médicos façam a adesão voluntária de trabalhar mais na força-tarefa, já que o quadro de peritos atualmente é insuficiente para esse mutirão.

O governo acusa a associação de peritos de estimular o boicote de não aderir à convocação da perícia, uma "verdadeira campanha patrocinada pela ANMP com o escopo de desestimular a participação dos Médicos Peritos". Também acusa em 2023 de a Associação propagar fake news, por meio de WhatsApp, site e YouTube, de que o governo vai dar um calote no pagamento do bônus para a realização das perícias extras, pois de fato houve atraso na bonificação. Essa discussão se arrasta até hoje e deve influenciar na operação pente-fino de 2024/2025.

Numa das postagens citadas, a representação jurídica do Ministério da Previdência Social menciona uma publicação da ANMP, em tom sensacionalista, que faz chamamento para o uso do Atestmed, pois a "atual administração abriu mão da segurança na concessão dos benefícios para gerar justamente o deferimento indiscriminado dos requerimentos":

"Então, brasileiro e brasileira, a partir de agora, você trabalhador, você criança, você idoso, você segurado ou não da Previdência, você tem o direito a pegar um atestado médico a hora que você quiser, aonde você quiser pegar um atestado médico, jogar em sistema [no caso, o Atestmed] que você terá [o benefício]. Se não anunciar a data de início de repouso, vocês terão 90 dias".

Embora citada no vídeo da ANMP, criança não tem cobertura como segurado na Previdência Social (só na condição de dependente previdenciário), pois são proibidos de recolherem a contribuição previdenciária e, por consequência, ter direito ao auxílio por incapacidade temporária, o que torna a menção sensacionalista.

Em outro vídeo do YouTube no canal da ANMP, há o conteúdo reclamando da gestão de Carlos Lupi e até do Poder Judiciário:

"O que vocês estão esperando para obter seis meses de benefício do INSS de forma legal? Porque o regramento que foi feito torna isso –esses todos que nós estamos falando– legais. Está na lei e com amparo do Judiciário. Então, a chance de você ter algum problema com isso é zero, porque o Judiciário também está envolvido nessas questões de querer impor absurdos, impor Atestmed".

O PEFPS (Programa de Enfrentamento à Fila da Previdência Social), criado para reduzir a fila, regulamenta um incentivo financeiro aos servidores públicos, inclusive médicos, que aderirem ao PEFPS com o pagamento de um bônus extra, além do próprio salário. Cada perito pode fazer até 12 perícias por dia. De julho a setembro de 2023, o governo desembolsou cerca de R$ 15 milhões com bônus extra, o que representa um acréscimo salarial aos médicos que pode variar entre R$ 14 mil a R$ 18 mil por mês.

Por sua vez, a ANMP acusa o governo, entre outras coisas, dizendo que ele está fazendo censura ao ter ajuizado o processo judicial para a Associação se abster de publicar novos informes inverídicos ou com deturpação de dados sobre o Atestmed e a PEFPS. A associação de peritos também está sendo demandada para que sejam excluídas 13 notícias publicadas no seu site, três vídeos no Youtube, retirar definitivamente os conteúdos vinculados a essa temática e a se retratar publicamente. Em nota, a ANMP diz que o ministro Carlos Lupi quer "conquistar o monopólio do discurso e da ‘verdade’ e, como um ditador, decidir sozinho o que os médicos e suas entidades representativas podem dizer".

Atualmente, há uma baixa adesão a realização de perícia, em relação ao que o governo esperava. E se continuar nesse tom de briga certamente terá menos adesão. Embora a adesão seja facultativa, e o governo remunera muito bem pela bonificação, a ANMP consegue influenciar alguns peritos, a exemplo da própria greve. Essa briga do Ministério da Previdência Social e da ANMP tende a prejudicar o serviço público federal, que não sairá como deveria. Além de poder atingir a população que depende ou dependerá de algum serviço que envolva análise pericial do INSS.

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