Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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Rômulo Saraiva
Descrição de chapéu Previdência inss

O que falta para Lula apoiar a revisão da vida toda?

Embora Montesquieu tenha previsto separação dos Poderes, sabemos que eles podem se unir em prol do mesmo interesse

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Aparentemente, o chefe de Estado brasileiro —autoridade máxima de um país com tantos problemas— não deveria se importar com um assunto na área previdenciária a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

Ainda mais se levar em conta o pensamento montesquiano de que os três Poderes de uma nação funcionam separadamente. Correto, não fossem as peculiaridades deste país tupiniquim, permeado por tantas intromissões e ingerências entre os Poderes.

A situação torna-se mais sensível quando a União está no banco dos réus. Por esta perspectiva, a possibilidade do presidente Lula (PT) executar o pagamento a milhares de pessoas na revisão da vida toda pode gerar certa preocupação nas finanças, surgindo o potencial interesse de o presidente querer se valer da sua força política e influenciar o Judiciário.

O presidente Luis Inácio Lula da Silva durante evento do BNDES - Daniel Ramalho - 6.dez.2023/AFP

Na verdade, esse tipo de intervenção não é explicito nem fácil de provar, embora todos saibam que existe o lobby entre os representantes das três esferas dos Poderes constituídos.

Um indicativo de que o Palácio do Planalto se preocupa com as decisões emanadas pelo STF, sobretudo as de expressão econômica, pode ser caracterizado com a própria revisão da vida toda. No governo passado, o assunto chamou a atenção do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que se pronunciou irresponsavelmente dizendo que a revisão previdenciária quebraria o Brasil.

Na oportunidade, ele fez referência a uma conta superior a R$ 300 bilhões, sem qualquer amparo metodológico, inclusive incluindo na conta aposentados que já tinham perdido o prazo de receber qualquer indenização.

A fim de sensibilizar os ministros do STF, representantes do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) trataram de inflar os números para melhorar o argumento econômico e levaram tais dados ao processo.

Em tom sensacionalista, os números apresentados do impacto da revisão subiram em pouco espaço de tempo de R$ 46 bilhões para R$ 360 bilhões.

A bem da verdade, a revisão da vida toda já foi custeada por cada aposentado que dela venha a se beneficiar, tendo em vista que segurados com mais de dez anos não têm direito e mesmo quem está no prazo pode a revisão ser prejudicial.

Uma vez praticada, a revisão nada mais é do que o INSS dar a contraprestação financeira de quem já pagou no passado por isso. Portanto, a revisão tem lastro financeiro prévio.

No caso de Lula, não se sabe ao certo qual sua opinião sobre esta revisão. Ele não se pronunciou publicamente.

Recentemente foi realizado um jantar institucional na casa do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, com a presença de Luiz Inácio Lula da Silva, o advogado-geral da União, Jorge Messias, e ministros da Corte.

Há rumores, conforme notícia veiculada no Metrópole, de que um dos temas teria sido o impacto financeiro da revisão da vida toda. Se Lula quisesse influenciar o STF, certamente seria por meio dos últimos dois ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin, que nutrem intimidade com o presidente da República.

Por coincidência, o novato Zanin votou pela anulação do acórdão, que na prática poderia resultar no fracasso da revisão, considerando a atual composição da Corte.

Não se pode esquecer que no passado Lula já virou as costas aos aposentados, a exemplo de em 2010 ter vetado o fim do fator previdenciário. Por outro lado, Lula também demonstrou no discurso de posse preocupação com o tamanho da fila do INSS, cujo problema exige mobilização financeira do governo para combater este histórico problema.

Assim, ao longo do tempo, há certa ambiguidade de Lula em relação aos direitos dos aposentados.

O ideal, até para manter uma postura antagônica ao seu opositor Jair Bolsonaro, que fez comentário negativo contra a revisão da vida toda, é que o presidente Lula viesse a público se posicionar e apoiar a revisão da vida toda, mesmo não sendo ele o responsável pelo julgamento que haverá no STF.

Como estadista, defensor da legalidade e apoiador da classe trabalhadora, suas palavras não deixam de ter influência e ser elemento externo no convencimento dos ministros do STF (sim, os ministros também levam em conta a opinião pública quando decidem algum caso).

Lula poderia adotar idêntica postura ao que aconteceu no julgamento em que o STF invalidou as restrições dos precatórios. Em dezembro, a maioria dos ministros do Supremo derrubou as alterações implementadas em 2021 no regime constitucional de precatórios (Emendas Constitucionais 113 e 114), entre elas a que impunha teto de gastos e gerando uma dívida acumulada de precatórios pagos parcialmente.

Logo depois de o STF ter julgado, o Poder Executivo tratou de se articular politicamente para levantar o dinheiro para dar eficácia ao julgamento do STF.

Em pouco espaço de tempo, Lula assinou a medida provisória nº 1.200/2023, que abriu no orçamento crédito extraordinário para pagar R$ 93 bilhões em dívida acumulada na gestão passada. A mesma "casadinha" entre STF e governo federal poderia ocorrer na revisão da vida toda.

Embora Montesquieu tenha previsto a separação dos Poderes, sabemos que eles podem se unir em prol de um mesmo interesse, sobretudo em uma situação que envolve forte apelo social e o direito fundamental da aposentadoria.

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