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Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

Como o Reino Unido é belo e decadente ao mesmo tempo

País foi poupado em parte da feiura da arquitetura moderna devido a seu zelo pela preservação

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"Sinto de alguma forma / Que não vai durar", escreveu Philip Larkin em "Going, Going", seu lamento pelo campo inglês, que o desenvolvimento logo cobriria tudo o que era verde e agradável em sua ilha: "E essa será a Inglaterra perdida,/ As sombras, os prados, as vielas,/ Antigas prefeituras, coros esculpidos./ Haverá livros; vão se demorar/ Nas galerias; mas tudo o que restará/ Para nós serão concreto e pneus".

Larkin escreveu essas palavras em 1972. Com base em uma viagem pela Inglaterra e pela Escócia nos últimos meses, posso relatar que seus temores eram prematuros. O conservadorismo britânico, do qual Larkin foi um representante excêntrico, sempre teve um traço conservacionista mais forte do que seu primo americano. E o tipo mais verde de toryismo pode se orgulhar da paisagem de sua ilha natal: os cinturões verdes que circundam as principais cidades, as cidades compactas e de aparência antiga, as estradas rurais ainda feitas para carruagens, embora permitam que você esprema uma minivan nelas.

Abrigo improvisado com papelão, carrinhos de mercado e guarda-chuvas na rua Oxford, em Londres - Justin Tallis - 2.ago.23/AFP

Infelizmente, essa preservação cheira a embalsamamento. Numa época em que a Europa parece estagnada em relação aos EUA, o Reino Unido se juntou à Itália como o paciente mais doente do continente: seus padrões de vida estão bem abaixo dos de vizinhos, sua economia, presa em um torpor de 15 anos, e seus serviços públicos, incluindo o elogiado Serviço Nacional de Saúde, em estado de degradação amplamente reconhecido.

O Partido Conservador, no poder durante a maior parte desse período, é frequentemente acusado de apoiar a austeridade pós-crise financeira e se arrastar para o brexit. Mas o problema mais profundo é o aprisionamento dos conservadores por um conservadorismo disposicional e não ideológico –o fato de sua base ser mais antiga, proprietária e aparentemente satisfeita em preservar a amada paisagem de Larkin, tornando impossível construir ou desenvolver em qualquer lugar.

Novamente, esse é um problema geral de países ricos e idosos, mas o Reino Unido o levou ao extremo; desde a década de 1870, segundo uma estimativa, os preços das casas não eram tão extraordinariamente altos em comparação com os salários. Isso pune a geração mais jovem no curto prazo e aprofunda a estagnação de longo prazo que atrasa casamentos e filhos.

Também interage de forma tóxica com os debates culturais, porque os governos que buscam o crescimento optaram por aumentar a imigração mesmo quando seus planos de desenvolvimento vacilam –o que aumenta um pouco o Produto Interno Bruto, mas também faz com que os próprios imigrantes pareçam agentes do aumento dos preços das casas, acrescentando o miasma da desconfiança.

Para uma visão de longo prazo do déficit habitacional britânico, recomendo "Por que o Reino Unido não constrói", ensaio de Samuel Watling no jornal online Works in Progress, que descreve a visão urbanística da comissão central de planejamento do Reino Unido pós-Segunda Guerra: um sistema de "cidades novas" densamente povoadas, conectadas por trem ao centro de Londres, com muitas áreas protegidas no meio.

Mas os planejadores subestimaram a oposição à construção densa mesmo nas áreas da "Cidade Nova", enquanto as áreas consideradas "cinturão verde" tornaram-se impossíveis de reclassificar. Por isso sempre havia menos densidade e mais terra protegida do que a visão inicial supunha.

Então, à medida que o Reino Unido ficou mais rico e mais pessoas se tornaram proprietárias, a oposição a novas construções se aprofundou, e a autoridade central ficou com poder fictício, mas sem mandato –incapaz de descentralizar e desregulamentar ou simplesmente forçar novas construções.

Durante nossa viagem, os Tories estavam mais uma vez batendo as cabeças contra essa parede, com o secretário de gabinete Michael Gove propondo um novo desenvolvimento urbano, com até 250 mil casas, ao redor da cidade universitária de Cambridge –e ganhando uma rápida repreensão de um parlamentar conservador local, que chamou a visão de Gove de "planos absurdos".

De certa forma, não parece caridoso para um americano criticar essa atitude, considerando o quanto minha família gostou de nossas peregrinações rurais. Mas isso também faz parte do problema: há dinheiro em vender a experiência do museu para os primos americanos, mas isso deixa o Reino Unido bifurcado em uma economia financeira e uma turística, com a prosperidade geral fora de alcance.

Deixe-me terminar num tom mais otimista, entretanto. Talvez isso reflita apenas o caminho que tomamos, mas os novos desenvolvimentos que vimos no Reino Unido eram significativamente mais bonitos do que o equivalente americano. Em Gove, um partidário do desenvolvimento "bonito e popular", e no rei Charles 3º, um construtor de municípios experimentais com formas tradicionais, o Reino Unido tem alguns líderes que apreciam uma razão legítima para as pessoas temerem novas construções –a feiura que caracteriza a arquitetura contemporânea, seja uma expansão suburbana barata ou monstruosidades projetadas por "arquitetos famosos".

O Reino Unido foi poupado em parte dessa feiura por seu zelo pela preservação. Idealmente, então, o reino seria reconvertido ao crescimento e à esperança juvenil, permanecendo um guardião da beleza –de modo que o dinamismo não precisaria significar o fim de antigas prefeituras e coros esculpidos, mas muitos mais edifícios dignos de tal poesia.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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