Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ross Douthat

Sorte pode favorecer Trump como quase fez com os Stuart na Inglaterra

Incerteza das derrotas do passado é lembrete de quantos futuros diferentes podem nos esperar

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

The New York Times

Dirija para o norte do Reino Unido, como fiz com a minha família no mês passado.

Após certa latitude, fica impossível escapar dos jacobitas, apoiadores da dinastia Stuart e responsáveis pela série de "levantes" mal-sucedidos que buscaram reinstalá-la no trono britânico após a expulsão de Jaime 2º na Revolução Gloriosa de 1688. Não os confundam com os jacobinos, bem diferentes.

Membros da Companhia Real de Arqueiros marcham em frente ao Palácio de Holyroodhouse, em Edimburgo, na Escócia
Membros da Companhia Real de Arqueiros marcham em frente ao Palácio de Holyroodhouse, em Edimburgo, na Escócia - Lesley Martin - 5.jul.23/AFP

Em Lyme Park, a graciosa propriedade a sudeste de Manchester que representou a Pemberley de Jane Austen na versão de "Orgulho e Preconceito" de Colin Firth, você nota que um de seus proprietários, o 12º Peter Legh, foi preso na Torre de Londres nos anos 1690 por em tese conspirar para restaurar Jaime 2º.

Vá em direção ao nordeste até o Castelo de Bamburgh, um bastião esplêndido com vista para as praias da Nortúmbria, e notará que a família que o detinha no século 18 produziu um general jacobita na rebelião de 1715, bem como a irmã que o ajudou a escapar da prisão após seus esforços militares fracassarem.

Em seguida, vá para Edimburgo e faça um passeio pelo palácio escocês da família real britânica, Holyroodhouse, e permita-se ser sobrecarregado por itens de memorabília associados aos Stuart.

As atrações incluem uma pintura vitoriana muito bem situada, "Belo Príncipe Charlie Entrando no Salão de Maile em Holyroodhouse", um retrato romantizado da rebelião quase bem-sucedida de Charles Edward Stuart —orgulhosamente exibida pelos descendentes da família real que ele tentava remover em 1745.

Então vá às Terras Altas. Elas são um vasto monumento à derrota jacobita, seu maravilhoso espaço vazio em parte uma criação das impiedosas "limpezas" do final do século 18 e início do 19, que expulsaram pequenos fazendeiros, acabaram com a cultura de clãs da região e substituíram muitos dos escoceses inquietos que se levantaram pelos Stuarts por uma população mais tratável de, bem, ovelhas.

Entre um certo tipo de nerd conservador, a causa Stuart tem sido um cumprimento secreto ou uma piada interna. Mas a maneira normal de discutir os jacobitas é retratá-los como um anacronismo político, monarquistas absolutistas apoiando um rei católico numa Grã-Bretanha protestante e liberal cuja rebelião se tornou um fenômeno cultural assim que suas chances políticas acabaram.

Condenados, mas glamorosos, os jacobitas estavam destinados a ser redescobertos por românticos de todas as gerações, desde sir Walter Scott e seus romances no início do século 19 até a saga "Outlander" no início deste século. Essa história especificamente britânica segue padrão mais amplo da política na Europa e nos EUA, onde a lacuna entre capitais prósperas e periferias em dificuldades, entre uma meritocracia metropolitana e um interior nostálgico, forjou uma política de direita que às vezes parece mais com o jacobitismo do que com os conservadorismos da corrente dominante no final do século 20.

Não que os populistas de hoje (exceto alguns intelectuais) defendam a restauração de uma monarquia absoluta ou católica. (A mãe de Trump nasceu nas Hébridas Exteriores, as ilhas escocesas para onde o Belo Príncipe Charlie fugiu após sua derrota, mas a coroa britânica é um título ao qual Trump não almeja.)

Em vez disso, como os jacobitas originais, eles representam uma miscelânea de causas um tanto díspares, unidas principalmente por seu status de opositoras e forasteiras, sua distância e desafio à metrópole de tom mais liberal. Como Frank McLynn aponta em sua história dos jacobitas, quaisquer que sejam os projetos específicos que os Stuart tivessem em mente, seu movimento sempre incluiu uma variedade de tendências ideológicas e religiosas concorrentes.

Havia jacobitas ingleses que queriam ver os Stuart entronizados em todas as ilhas britânicas. Havia nacionalistas escoceses e irlandeses que queriam que suas nações fossem separadas e independentes.

Havia republicanos irlandeses, bem como verdadeiros crentes do direito divino. Havia católicos em busca de tolerância e anglicanos em busca de uniformidade religiosa. Havia profundos reacionários e modernizadores, místicos e partidários do Iluminismo. Também havia muitos oportunistas, familiares da política vigarista de nosso tempo —contrabandistas e corsários buscando um jeito de se libertar de um Estado britânico centralizador, nobres falidos em busca de socorro para suas dívidas acumuladas.

Mas ao mesmo tempo, havia muitos adeptos sinceros do que veio a ser chamado de ideologia Country— definida pela oposição aos altos impostos, à dívida nacional crescente, a um Exército permanente e a várias corrupções associadas ao estado pantanoso da Londres do início do século 18.

Você não precisava ser um jacobita completo para ser membro do partido Country. A causa dos Stuart existia sobretudo num relacionamento dinâmico e ambíguo com o conservadorismo mais respeitável e não traidor dos Tories do início do século 18 —novamente, muito parecido com os partidos populistas interagindo com o establishment de centro-direita na Europa Ocidental, embora as danças do passado tivessem uma crença mais firme na insurreição armada.

Um contemporâneo pode encontrar algum conforto nessa analogia, dado o destino final do jacobitismo.

Nesse sentido, o populismo seria apenas mais uma revolta frustrada contra a marcha do progresso moderno. De fato, o populismo pode aparentar ser mais desprezível e autoparódico do que o jacobitismo —McLynn enfatiza o alto caráter moral de muitos jacobitas, enquanto no populismo atual os vigaristas estão mais frequentemente na vanguarda. Além disso, quaisquer que sejam suas falhas, a reivindicação Stuart ao trono era muito mais defensável do que a afirmação de Trump de que venceu a eleição de 2020.

Não havia mundo plausível em que os Stuarts teriam alcançado os seus objetivos, assumido poderes a que aspiravam ou esmagado as realidades políticas e religiosas do Parlamento ou do protestantismo.

Entretanto, dada a complexidade de seu movimento e a parcela de acaso de suas derrotas, é fácil imaginar um mundo em que a pintura em Holyroodhouse retrate um homem que triunfou na história em vez de um malfadado pretendente, e onde uma restauração jacobita —sem dúvida de alguma maneira complexa— empurrasse o Reino Unido e a modernidade para um caminho significativamente diferente.

Da mesma forma, os objetivos muitas vezes rudimentares e contraditórios do populismo contemporâneo não podem ser alcançados triunfalmente. Mas não significa que o populismo de hoje perderá, simples e inevitavelmente, ou que nosso inseguro e obsoleto "whiggismo" ainda tenha a história ao seu lado.

A sorte quase favoreceu Charles Edward Stuart. Ainda pode favorecer Trump, mesmo quando é perseguido pelos promotores da mesma forma que o Belo Príncipe Charlie foi perseguido por forças britânicas. E a incerteza das derrotas do passado permanece como lembrete perpétuo de quantos futuros diferentes podem nos esperar.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.