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Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Atenção: você está sendo trolado

Da internet para o mundo, trols como Bolsonaro se alimentam de indignação

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O eleitor brasileiro foi trolado em 2018, mas em pouco mais de duas semanas terá a chance de se livrar do trol. Uso aqui a grafia favorecida pelo bom dicionário português Priberam para esses anglicismos.

É provavelmente a mesma grafia que adotarão os lexicógrafos brasileiros quando enfim incorporarem um substantivo e um verbo assíduos no vocabulário de jovens e crianças do país.

O trol ("troll" no original, grafia também usada entre nós) nasceu na internet como aquele personagem que entra em discussões online para esculhambá-las, desestabilizando os interlocutores com tiradas ultrajantes e absurdas. "Vamo fuzilar a petralhada aqui do Acre!"

Ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump é pioneiro e inspirador dos políticos que fazem da trolagem um atalho - Andrew Kelly - 3.set.22/Reuters

Pode ser que o trol acredite mesmo no que diz, mas isso é secundário. O fundamental é levar o maior número de pessoas possível a morder sua isca: "Não te estupro porque você não merece!"

A glória de um trol, tipo especialmente perverso de palhaço, é ser levado a sério. Quando isso acontece, morre de rir como um encrenqueiro do fundão da sala na quinta série —e, como ele, ganha fama entre inimigos e admiradores. "O erro da ditadura foi torturar e não matar."

A ideia de isca foi fundamental para o nascimento dessa acepção da palavra. O verbo "to troll" é antigo na língua de Donald Trump, pioneiro e inspirador dos políticos que fazem da trolagem um atalho, via voto de multidões de admiradores, candidatos a trol e gente distraída, para as altas esferas do poder.

Derivado do francês arcaico "troller", o verbo era usado em inglês no século 14 com o sentido de "andar a esmo em busca de caça", que mais tarde se ampliou para os de "pescar com linha em movimento" e "servir de isca, atrair". Nos anos 1960, virou gíria gay para "sair à noite em busca de parceiros sexuais".

A maioria das fontes situa nessa linha histórica de caça e pesca, pela ideia da atração de presas aleatórias, a acepção surgida no jargão informático na virada dos anos 1980 para 1990 a fim de nomear o comportamento de quem só aparecia em grupos de mensagem para ser espírito de porco. "Tem que deixar de ser um país de maricas... Tudo agora é pandemia!"

Uma vez que tal comportamento tende, em condições normais de temperatura e pressão, a parecer repulsivo a pessoas de boa-fé, considera-se provável que tenha contribuído para o sucesso do sentido internético de trol uma palavra homônima de significado inteiramente diverso.

Estamos falando de "troll" como nome de um monstro mitológico escandinavo, criatura humanoide gigantesca que mora em cavernas e tem uma ferocidade inversamente proporcional à inteligência.

Quem leu "O Senhor dos Anéis" —ou viu os filmes de Peter Jackson baseados nos livros de J.R.R. Tolkien— conhece o tipo, aliado e bucha de canhão de Sauron, senhor do reino trevoso de Mordor, em sua guerra para dominar o mundo. "Eu sou favorável à tortura, você sabe disso. E o povo é favorável."

Um dos trols do filme "O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel" (2001) - IMDB

É cedo para dizer se a era dos trols poderosos está no começo, no meio ou no fim. O certo é que, como parecem atestar a derrota de Trump nos EUA e a provável derrota de Bolsonaro no Brasil, a trolagem funciona bem melhor como estratégia para tomar o poder do que para conservá-lo. De conservador o trol não tem nada.

As últimas décadas de internet nos ensinam que a melhor maneira de neutralizar um trol é deixá-lo falando sozinho. Isso significa nunca amplificar seus disparates —e em hipótese alguma, é claro, votar nele.

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