Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.
Estamos diante de uma maldição ou de uma bênção?
Usar valorização das commodities em gastos permanentes agravará situação fiscal
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O superávit da balança comercial neste ano vai fechar próximo de US$ 95 bilhões, um recorde histórico, mais de 50% superior ao do ano passado. Esse crescimento é, sobretudo, resultado do aumento do quantum exportado e da redução dos preços das importações.
Commodities agrícolas, como soja, milho e açúcar, energéticas, como petróleo, e metálicas, como os minérios, foram os destaques. Ainda que a safra deste ano tenha ajudado, o movimento de aceleração nas exportações brasileiras tende a ser mais estrutural do que cíclico. A participação das commodities na pauta de exportação saiu de 45% em 2000 para mais de 75% em 2023.
No caso do petróleo, a produção crescerá de forma significativa nos próximos anos. Segundo previsão da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), o aumento será de 80% nos próximos sete anos. O principal fator por trás desse boom é a maior produção na camada do pré-sal, um petróleo de alta qualidade, leve e com baixo teor de enxofre, o que o torna mais fácil de refinar e mais atraente no mercado internacional.
Nesse contexto, os impactos na nossa balança comercial podem ser enormes. O saldo de petróleo e derivados neste ano deve alcançar um superávit de quase US$ 25 bilhões (cerca de ¼ do saldo total). Considerando a projeção de produção da EPE, a balança de petróleo e derivados pode alcançar cerca de US$ 100 bilhões em 2029. Cabe lembrar que, até 2015, o Brasil era importador líquido de petróleo e derivados.
Caso essa produção se materialize, o Brasil passará a integrar até o fim da década o grupo dos cinco maiores produtores de petróleo do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, Arábia Saudita, Rússia e Canadá. Seremos beneficiados em termos fiscais, visto que a arrecadação do governo com o regime de partilha de produção deverá aumentar de forma significativa.
A PPSA (Pré-Sal Petróleo S.A.), empresa estatal que gerencia os contratos de partilha na produção de petróleo no pré-sal e comercializa a parcela do óleo e gás natural pertencente à União, estima que a arrecadação advinda do aumento da produção subirá de US$ 13 bilhões neste ano para US$ 53 bilhões em 2031.
Quando se projeta a soma da arrecadação de royalties e participações especiais, dividendos pagos pela Petrobras à União e o óleo-lucro da partilha, chega-se a uma receita que deve atingir em média 1,7% do PIB entre 2022 e 2030, comparado com 0,7% do PIB na média de 2001 a 2021.
Outro fator que tende a contribuir para o crescimento das exportações brasileiras nos próximos anos é o forte aumento da produtividade no setor agropecuário. Não foi só a forte safra que nos ajudou neste ano. Desde os anos 2000, o Brasil tem liderado a produtividade agropecuária mundial entre 187 países, segundo estudo do Economic Research Service, órgão do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, sendo o país que teve o maior aumento da produtividade da agropecuária entre 2000 e 2019, superando até mesmo a China e diversos países desenvolvidos.
No agronegócio, o ganho com arrecadação não será tão expressivo porque o setor é bastante desonerado. Na reforma tributária, produtos da cesta básica ficarão isentos de impostos e uma redução de 60% na alíquota será aplicada a produtos do agronegócio.
A arrecadação advinda do aumento da produção de commodities será significativa nos próximos anos, mas vale lembrar que estará sempre muito dependente dos preços no mercado internacional. Se usarmos o ganho advindo dessa receita para conceder benefícios fiscais e aumentos de gastos permanentes quando os preços forem desfavoráveis, nossa situação fiscal se agravará.
Foi o que aconteceu entre 2004 e 2012, quando passamos por um longo ciclo positivo de preços de commodities, expandindo despesas e benefícios fiscais. Com a queda dos preços das nossas exportações, a arrecadação caiu, mas as despesas e os benefícios continuaram. Geramos um grande déficit primário, perdemos o grau de investimento e entramos na profunda recessão de 2014.
O que segurava a nossa expansão de despesas até a aprovação do novo arcabouço era o teto de gastos. A regra fiscal atual tem na verdade um novo teto, ainda que mais flexível. O crescimento real do gasto deve ser limitado a 2,5%. O problema é que já vemos ideias de burlar esse limite. A bonança que virá nos próximos anos não pode dar lugar a ideias criativas que colocam em xeque nossa sustentabilidade fiscal.
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