Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.
Ditador da Nicarágua toma medidas que incentivam a propagação do coronavírus
Daniel Ortega e sua esposa, Rosario Murillo, seguem na contramão de medidas de isolamento
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O presidente Jair Bolsonaro coloca em risco a saúde do povo brasileiro ao minimizar a escala do problema que é a pandemia do novo coronavírus. Mas a humanidade ainda consegue ser pior em outros cantos do mundo.
Na Nicarágua, comandada desde 2007 pelo ditador Daniel Ortega, 74, não apenas inexistem políticas de prevenção à doença como todo o contrário.
Por exemplo, a Igreja cancelou as celebrações da Semana Santa, para evitar que o vírus se propagasse em eventos com presença de muita gente. Ortega e sua mulher e vice-presidente, Rosario Murillo, repreenderam os líderes religiosos e convocaram eles mesmos a população a sair às ruas em uma grande procissão.
Já houve ainda mais duas marchas organizadas pelo governo, uma chamada "Amor nos Tempos de Covid-19" (acredite se quiser) e outra em apoio a Nicolás Maduro. Ambas reuniram milhares de apoiadores.
As fronteiras do país estão abertas, e a Nicarágua se ofereceu para receber cruzeiros rejeitados em outros portos. Quando os barcos chegam, os turistas podem desembarcar e são recebidos por crianças com flores.
Há meses que a população não vê ou ouve Ortega. A voz que faz essas convocações macabras é a de Rosario Murillo, por meio de seus programas diários de TV e rádio.
A vice-presidente também anunciou, nas últimas semanas, a abertura de novos parques e piscinas públicas, e, a cada fim de semana, divulga atividades culturais gratuitas, promovendo ainda mais focos de propagação do vírus.
É como se o regime quisesse, de fato, se livrar de uma parte da população. "É uma assustadora política de estímulo ao contágio", me conta uma amiga e escritora equatoriana, Sabrina Duque, que vive em Manágua, a capital da Nicarágua.
Por sorte, há também relatos de que setores da classe média que se opõem à ditadura estão realizando quarentenas e implementando medidas de isolamento. Muitos não estão mandando mais seus filhos para as escolas, embora o governo as tenha mantido abertas.
Uma das poucas deputadas de oposição na Assembleia Nacional, Azucena Castillo tentou aprovar um orçamento extra para políticas de prevenção à pandemia. De maioria sandinista (partido de Ortega), o Congresso derrubou a medida.
Mais: o chefe do parlamento simplesmente desligou o microfone no momento em que Castillo tentava defender a importância de tomar atitudes. Os deputados sandinistas a ridicularizaram em público.
Tudo isso ocorre no segundo aniversário da rebelião popular de abril de 2018, quando o casal Ortega e Murillo encabeçou uma repressão a manifestações populares, deixando um saldo de 325 mortos.
A posição negacionista da ditadura com relação ao coronavírus parece ser a continuidade de uma política de vingança contra um setor da sociedade que ousou limitar a permanência indeterminada do casal no poder.
Agora, se a pandemia seguir seu curso natural e se o regime continuar atuando dessa maneira, os nicaraguenses estarão abandonados a sua própria sorte. Quem poderia imaginar que os nobres ideais da Revolução Sandinista (1979) se transformariam num projeto tão sórdido de poder?
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