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Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Maneira de China lidar com Talibã dirá muito sobre que tipo de potência pretende ser

A partir de agora, ações e omissões de Pequim terão peso próprio na história do Afeganistão dos próximos 20 anos

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Para os EUA, o saldo da invasão no Afeganistão está basicamente contabilizado. Ao saírem de maneira desastrosa do país, os americanos selaram o fracasso da intervenção que durou duas décadas, custou mais de 150 mil vidas, consumiu US$ 1 trilhão e, ao final, coroou o Talibã no poder.

E qual o saldo para a China? Os apressados poderiam concluir que, se o resultado é péssimo para Washington, é ótimo para Pequim. Mas a avaliação é desconectada da realidade.

Xi Jinping é presidente da China, país vizinho ao Afeganistão. - Xinhua/Huang Jingwen

A vitória do Talibã no Afeganistão é sobretudo motivo de preocupação para os chineses, que, no entanto, estavam melhor preparados que os EUA para esse resultado.

Em julho, enquanto Joe Biden promovia as virtudes das tropas afegãs e falava em saída ordenada do país, o ministro das Relações Exteriores da China recebia uma delegação oficial do Talibã na cidade de Tianjin. Mas o fazia antes por cálculo político do que por preferência.

A China e o Afeganistão são vizinhos. Estão conectados pelo corredor de Wakhan, uma faixa estreita de terreno montanhoso que liga o Afeganistão justamente a Xinjiang. Objeto de atenção internacional devido ao tratamento dado aos habitantes uigures muçulmanos, a província já representava a Pequim uma preocupação de segurança nacional e integridade territorial. Agora, ainda mais.

No topo das prioridades chinesas está o interesse de que o Talibã assegure a estabilidade do Afeganistão e contenha as chamadas “três forças malignas”: terrorismo, extremismo e separatismo. O receio é que o país se torne uma base de apoio para ações, na China, de grupos terroristas e separatistas, especialmente o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental.

China, Terra do Meio

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É verdade que o vácuo gerado pelos americanos abre espaço para os chineses. Faz sentido para Pequim contar com o país na Nova Rota da Seda e promover maior integração econômica entre China, Afeganistão e Paquistão. Interessa usar instrumentos econômicos e diplomáticos para exercer maior influência no Afeganistão e na Ásia Central.

Mas as oportunidades reais de investimento dependem de um mínimo de segurança e estabilidade no país, o que não é garantido. A aversão de Pequim ao risco aumentou com atentados recentes a chineses envolvidos em projetos no Paquistão.

Os ganhos da China com a vitória do Talibã são incertos —à exceção de um. O único ganho garantido decorre do prejuízo da imagem dos EUA no mundo. Crescem as dúvidas sobre a credibilidade das promessas americanas na área de segurança.

Pequim quer que o recado chegue a Taiwan —às autoridades e aos cidadãos. Quer que percebam os riscos de contar com os EUA numa aventura separatista. Imagens e relatos de afegãos abandonados pelos americanos dão cores à especulação alimentada com gosto por aqui.

A maneira de a China lidar com o Talibã afegão, no entanto, dirá muito sobre que tipo de potência pretende ser —algo a que o mundo prestará atenção. Pequim calibrará seu relacionamento pela capacidade do grupo manter as promessas de ficar longe da dita tríade maligna.

E a relação também testará os limites da diplomacia chinesa, treinada a valorizar a não interferência em assuntos domésticos. Até que ponto Pequim poderá cruzar os braços diante de retrocessos brutais na situação de mulheres e meninas? Ou de uma crise humanitária na fronteira? Goste ou não, seu status recente de potência implica responsabilidades e expectativas maiores.

O fracasso americano também traz riscos para a China. A partir de agora, ações e omissões de Pequim terão peso próprio na história do Afeganistão dos próximos 20 anos. ​

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