Siga a folha

Na guerra, restam apenas as batatas

Receita dos pierogi da minha avó é das poucas memórias que temos da Polônia

Assinantes podem enviar 7 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Pasteizinhos de batata com cebola, por anos acreditei que fossem uma invenção da minha avó, mas são um prato típico de países do leste europeu, como a Ucrânia (onde são conhecidos como varenyky) e a Polônia (onde são chamados de pierogi).

Nos encontros de família, eles sempre marcaram presença, ao lado do chucrute, dos embutidos feitos em casa, do pão caseiro e do que eu sempre chamei de "sopa de beterraba", mas é borscht.

Não imaginava que dessem tanto trabalho para ser preparados. Os pasteizinhos sempre apareciam ali, na minha frente, envoltos por cebola dourada e recheadíssimos de batata amassada com mais cebola.

Restava a mim comer uns sete e encostar o garfo, e ouvir o "mas já, filhinha?" da minha avó. Agora entendo: quando passamos horas de pé na cozinha, queremos que todos passem horas sentados comendo. É o mínimo.

Para ninguém se desencorajar a preparar os pierogi (são deliciosos, façam), vou revelar o truque da minha tia: a massa de pastel, vendida na feira, pode fazer as vezes da massa caseira.

Num passe de mágica, a bancada e o teto cheios de farinha, a ginástica de sovar, o improviso da garrafa de vinho na falta de um rolo para abrir a massa, o copo de vidro e seu esforço enérgico para formar círculos, tudo isso, puf, some.

É abrir o saco, usar uma camada dupla de massa para segurar bem o recheio, e pronto —para garantir uma versão 100% vegetal, não se esqueça de perguntar ao feirante qual o tipo de gordura utilizada. Dica de vegana chata: se ele responder "margarina", não comemore antes da hora e siga o seu inquérito: "Você pode me dizer a marca da margarina? Preciso saber se leva leite na composição, obrigada".

Dê um Google na marca e descubra. Por legislação, a margarina pode conter até 3% de gordura láctea no total do perfil de gordura do produto —olha só que pegadinha.

O atalho da massa, no entanto, é capaz de cortar aquele momento final em que comemos e nos orgulhamos da nossa própria criatura. O "uau, fui eu que fiz" pode ser substituído por um "parabéns, time, nós fizemos!". Se for para botar a mão na massa, que sejam pelo menos 4. Daí, sim, vale a pena.

A receita da minha avó, filha de poloneses, é quase vegana. Eu substituí o ovo por uma colherada extra de margarina 100% vegetal. No recheio, minha avó nunca usou queijo ou carne de porco, como aparecem em algumas versões. Trigo, batata e cebola: a tríade da cozinha pobre, da cozinha da guerra, da resistência, da inventividade para se ter algum prazer enquanto aviões rasgam o céu e famílias perdem um membro ou todos —avós, pais, filhos e netos.

A família da minha avó fugiu para o Brasil durante a Primeira Guerra Mundial, e se instalou no interior do Paraná, em terras que receberam muitos poloneses e ucranianos, como Guarapuava e Ponta Grossa.

Minha avó sabe falar polonês até hoje, embora nenhum de nós fale. Tem 93 anos, é absolutamente lúcida, mas não sabe dizer de que região da Polônia seus pais vieram. É uma história que foi, como tantas outras, apagada. No final, a guerra não faz nem vencedores, nem perdedores. Restam apenas batatas.


Pierogi

Massa

INGREDIENTES

2 ½ copos de farinha de trigo.

1 copo de água.

¼ xic manteiga vegana derretida, ou de margarina 100% vegetal.

1 colher de chá de sal.

Recheio e coberturas

Os pastéis pierogi, com receita de Luisa Mafei - Luisa Mafei

INGREDIENTES

4 batatas.

4 cebolas.

Óleo de girassol, o quanto baste.

Sal e pimenta preta a gosto.

Cebolinha e queijo vegano (completamente opcional, para finalizar).

PREPARO

  1. Junte numa panela a água, a manteiga vegana e o sal. Leve para o fogo médio para derreter.
  2. Adicione a farinha de trigo numa tigela. Abra um buraco no meio e transfira a mistura de água e manteiga derretida. Envolva com a ajuda de uma espátula de silicone, fazendo movimentos circulares, até formar uma bola. Transfira a massa para uma bancada enfarinhada e sove suavemente por 5 minutos.
  3. Faça uma bola com a massa e transfira para uma tigela untada com azeite. Pincele azeite por toda superfície da massa (o azeite é uma alternativa mais sustentável do que o filme plástico para preservar a umidade da massa). Deixe descansar por uma hora.
  4. Cozinhe as batatas até amolecerem completamente. Descasque e amasse. Tempere com um pouco de sal e pimenta preta.
  5. Corte as cebolas ao meio. Descasque as metades e em seguida corte em tiras meia-lua. Cubra ligeiramente o fundo de uma frigideira grande com óleo de girassol. Leve ao fogo máximo e, quando estiver quente, junte a cebola. Mexa de tempos em tempos, até a cebola ficar completamente dourada, quase queimando. Desligue o fogo e tempere com um pouco de sal.
  6. Adicione ⅓ da cebola dourada na batata amassada, para o recheio. Misture bem.
  7. Divida a massa em quatro pedaços. Abra um pedaço de massa sobre uma bancada enfarinhada, com a ajuda de um rolo. A massa não deve ficar muito fina. Corte círculos com a ajuda de um copo ou de um cortador redondo. No centro de cada círculo, adicione uma colher de sopa rasa do recheio. Feche a massa, unindo as bordas em formato de uma meia-lua. Sele bem a borda, apertando a massa com a ponta dos dedos.
  8. Repita o passo anterior com as três partes restantes da massa.
  9. Leve os pasteizinhos para cozinhar em água fervente, de 6 a 8 de cada vez. Quando eles subirem à superfície, conte mais dois minutos e retire da panela com a ajuda de uma colher escumadeira. Reserve em um prato.
  10. Os pasteizinhos estão prontos para serem consumidos, com a cebola dourada por cima. Outra possibilidade é finalizar na frigideira aquecida com um pouco de azeite, de um dos lados, para ficar crocante. Decore com a cebolinha e o queijo vegano e consuma imediatamente.

DICAS​

  1. As sobras de massa rendem um belo macarrão rústico. Corte em tirinhas e leve para cozinhar em água fervente por 4 minutos, escorra e sirva com o molho de sua preferência.
  2. Os pierogis podem ser congelados: modele e distribua numa tábua e leve ao congelador sem cozinhar previamente. Quando estiverem completamente congelados, os pasteizinhos podem ser armazenados em um saco.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas