Terra Vegana

Luisa Mafei é culinarista e professora de cozinha a base de vegetais

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Descrição de chapéu alimentação

Seu filho vai ser vegano?

No caso das grávidas veganas, as profecias transbordam os limites do puerpério

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Eu nunca perguntei às minhas amigas grávidas se os filhos e filhas delas seriam também onívoros. Já comigo, a coisa tem sido bem diferente. Há sete meses escuto: ele vai ser vegano?

Se fosse apenas por parte das amigas, bastaria responder "não sei, será que meu filho vai ser também editor de vídeos, porque o pai assim o é?".

Mas o deboche não é de todo bem-vindo em reuniões de família, quando todos rodeiam a grávida e tocam a sua barriga enquanto soltam frases motivacionas, tais como "você vai morrer, a Luisa que você conhece hoje não vai mais existir" ou ainda "você vai ficar meses, anos sem dormir".

O anticorpo da mãe que causa danos ao feto, chamado de imunoglobina Rh, conhecido na Austrália como Anti-D, também é usado para produzir um tratamento para DHRN
Grávida realiza exame de sangue - Getty Images/BBC

No caso de uma grávida vegana, as profecias transbordam os limites do puerpério e dão um salto para o sexto mês de vida do bebê, quando sua introdução alimentar poderá ser iniciada de acordo com a OMS, que recomenda a amamentação exclusiva até essa idade —e defende que o aleitamento materno deva se manter até, pelo menos, os dois anos de vida da criança.

O inquérito para saber se meu filho vai ou não ser vegano me parece ser apenas um raio do reflexo perverso de uma sociedade que não confia nas suas mães. "Olha que vai faltar proteína para o menino", "Ele não vai crescer direito", "O osso dele vai ficar fraco" são algumas das frases que já escutei.

Curiosamente, ninguém que as disse é pediatra ou nutricionista. Diga que está grávida, e receba o parecer de autoridades não fundamentadas.

Eu imagino que toda a grávida —vegana ou não— já tenha passado por questionamentos em relação à sua capacidade de ser mãe, de cuidar da sua cria, de dar de mamar, botar para dormir, dar banho etc. De sobreviver ao puerpério, de manter a sua sanidade mental diante de noites mal dormidas, de aceitar que a vida mudou, e que mudou para sempre.

Suponho que a verborragia da qual a mulher é alvo desde o momento em que anuncia a gravidez até quando a criança vira adolescente, e o adolescente vira adulto, tenha a melhor das intenções, na maioria dos casos.

Mas, os efeitos podem ser os piores possíveis. Nos eventos sociais em que a grávida encontra amigos e parentes, todos bebem, menos ela. Logo, todos se animam em dizer umas "boas verdades" sobre a maternidade e o bêabá de tu-do que ela pre-ci-sa fazer, restando à gestante apenas a paciência de escutar na falta de coragem de dizer "podemos mudar de assunto?".

Quem escreve é uma mãe de primeira viagem, e esse texto corre inevitavelmente o risco de ser ingênuo, ou até mesmo prepotente. Longe de mim querer criar meu filho a sós com o meu marido, a famosa rede de apoio é fundamental e bem-vinda, mas precisamos falar de limites, desde a gravidez.

Eu não sei nada sobre maternidade, além do desejo de poder vivê-la com os meus pés colados no tempo presente, sem ser inundada por picos de ansiedade e sentimentos de culpa precoces. E é nesse sentido que eu honestamente não tenho a resposta para saber se o meu filho vai ou não vai ser vegano.

Se é verdade que nesse momento meu bebê come tudo aquilo que eu como, posso dizer que sim, ele é vegano. E ele vai nascer numa casa de pais veganos. Logo, quando sua introdução alimentar começar, ele vai comer aquilo que nós também comemos.

Quando já for mais crescidinho, eu não sei. Talvez queira provar o bolo de aniversário da amiguinha. Ou ainda que esperneie diante de um pacote de bolacha estrategicamente colocado diante dos seus olhos na prateleira do mercado, e que eu me desespere ao ler os ingredientes —além de ultraprocessada, a bolacha leva soro de leite na composição.

Quando partir da vontade dele de provar algo que não comemos, vou apenas explicar os motivos pelos quais vivemos uma vida sem nenhum alimento ou produto de origem animal, e deixar a escolha final para ele.

E, quando eu perceber que tem gente em volta do meu filho oferecendo uma linguiça soterrada por vinagrete dentro de um pão no churrasco de domingo, por pura sacanagem, eu possivelmente vou virar uma leoa.

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