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Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

Os mistérios da ressureição

Aquecimento global é capaz de descongelar bactérias e vírus antes adormecidos

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"Racismo perpassa a ciência que produzimos”, escreveu Adriana Alves, geóloga e professora da USP. Nada mais disruptivo deste racismo do que acadêmicas negras escreverem sobre a ciência que produzem. É o que faz Adriana ao ocupar esta coluna com o texto a seguir, escrito para a campanha #CientistaTrabalhando, que celebra o Dia Nacional da Ciência. Ao longo do mês de julho, cientistas ocupam espaços como esta coluna para abordar temas relacionados ao processo científico.

Em 2016, dezenas de habitantes de um vilarejo russo apresentaram sintomas de contaminação pela bactéria causadora da doença conhecida como antraz ou carbúnculo. Essa bactéria povoa nosso imaginário desde os rumores de que seria eficiente arma biológica, teoria confirmada em 2001, com as mortes de funcionários da Casa Branca que a ela foram expostos por meio de correspondências contaminadas.

No caso russo, concluídas as investigações, as evidências apontaram para contaminação acidental pela interação de uma criança —única vítima fatal do incidente— com uma carcaça congelada havia décadas, que teria vindo à tona por derretimento do permafrost (solo congelado) durante um verão quente demais. A comunidade científica logo ficou em alerta: confirmava-se a conexão entre aquecimento global e ressurreição de patógenos congelados, potencialmente perigosos aos humanos e desconhecidos de nosso sistema imunológico.

Ilustração - Valentina Fraiz

Em estudo publicado esse ano, cientistas definiram o protocolo analítico para investigação da carga biológica contida em testemunhos de gelo antigo, até então utilizados sobretudo em estudos paleoclimáticos. Os pesquisadores lograram despertar 33 diferentes tipos de vírus adormecidos havia 15 mil anos em gelo tibetano, 28 dos quais totalmente desconhecidos.

Pausa para o desespero...

Dada a má notícia, é necessário dizer que, apesar de reconhecer os perigos da ressurreição de vírus e bactérias congeladas, a comunidade científica lida com muitas incertezas sobre o potencial infeccioso de tais seres em hospedeiros humanos.

Embora os Homo sapiens caminhem sobre a Terra há 300 mil anos, poucas são as pesquisas dedicadas à identificação de patógenos infecciosos em nossos ancestrais. Num trabalho fundamental sobre o tema —com título digno de ficção científica: “De volta para o futuro numa placa de Petri”—, foram exploradas as variáveis da ecologia da ressurreição, ramo relativamente novo que estuda as nuances de interação entre patógenos antigos e hospedeiros milhares de anos à frente em termos evolutivos.

As conclusões do trabalho indicam que ainda não há evidências de que organismos adaptados para invadir e povoar seres vivos que lhes foram contemporâneos possam infectar vidas milhares de anos mais evoluídas. Não há meios de determinar, por exemplo, aspectos metabólicos ou comportamentais desses seres, nem quais seriam as mutações necessárias para que passassem a infectar humanos.

Resta à comunidade científica a certeza de que as eventuais oportunidades de pesquisa de terras geladas durante o período de recrudescimento do aquecimento global que se avizinha não devem desprezar os seres ora adormecidos e os perigos a que podemos nos expor.

Tenhamos esperança de que até lá estaremos mais preparados para lidar com os problemas de eventuais pandemias. Passados cem anos da gripe espanhola, as medidas de contenção não progrediram grande coisa.

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