Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.
A sofrência dos sertanejos
Há espaço para uma agenda anticorrupção menos hipócrita e heroicizada
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
Algo tão antigo quanto a chegada das caravelas em terras brasis —repletas de aventureiros ávidos por tomar tudo e todos para si— é a apropriação privada do dinheiro público. Lilia Schwarcz nos lembra no livro "Sobre o Autoritarismo Brasileiro" que o patrimonialismo —apropriar-se do que é coisa pública— e a corrupção —conceder vantagens indevidas, de forma legal ou não— fundam e percorrem nossa história.
Somos o país da polícia que se formou como guarda real, o país da escravização ilegal, o país onde se elege bancada de parentes, o país onde miliciano cidadão de bem cobra por gás e internet, o país dos empresários que não renunciam a isenção fiscal, o país do cantor sertanejo que cobra cachês milionários de dinheiro público, mas que se diz contra a Lei Rouanet —dinheiro captado de empresas.
A sofrência sincera de alguns cantores sertanejos nos últimos dias, independentemente da questão legal, sobre a qual não faço juízo de valor aqui, revela não o Brasil profundo, mas a alma profunda de um país que se acostumou com a opacidade da coisa pública a serviço de interesses privados.
O problema não é remunerar bem artistas de sucesso —e não são só os sertanejos que ganham tais volumes; a questão é, de um lado, demonizar mecanismos republicanos de incentivo à cultura e, de outro, levar dinheiro público sem qualquer sistema de controle, até com risco de desidratar verbas para saúde e educação. O problema, ao fim e ao cabo, é a arrogância moralista anticorrupção aliada à lambança com verba pública; combinadas essas características, resta dissecada a essência de um país que se acostumou a morar no meio do rio entre o público e o privado.
Entre o sertanejo milionário, "pai de família humilde", o empresário espreitando a carniça nos círculos dos donos do poder, sejam eles quem forem, e o presidente que enforca dias úteis e coloca em sigilo seus gastos, há espaço para que se elabore uma agenda anticorrupção menos hipócrita e heroicizada e, de fato, republicana.
Receba notícias da Folha
Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber
Ativar newsletters