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Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de "Criar Filhos no Século XXI" e “Manifesto antimaternalista”. É doutora em psicologia pela USP

Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Elaborando o trauma bolsonarista

A resposta à desesperança é que não há o que esperar

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Em 29 de outubro de 2018, acordamos incrédulos e arrasados com o resultado da eleição presidencial. O impensável aconteceu, o Brasil seria representado pelo que há de pior em nós: racismo, homofobia, violência, elitismo, misoginia, colonialismo. De lá para cá, o perigo anunciado confirmou-se à exaustão com o ataques sistemáticos a todas as esferas da vida pública: saúde, educação, meio ambiente, diplomacia, cultura, imprensa. Há que se reconhecer a eficiência desse projeto de desgoverno!

A economia —justificativa cínica para todos os descalabros que passaram a ser aceitáveis— mal chegou a dar seu voo de galinha, confirmando a incompetência governamental em qualquer seara.

A partir daquela segunda-feira estarrecedora coube a cada um se virar como pode para sobreviver física, moral e psiquicamente.

Como responder a um discurso que tem incendiar, expulsar, metralhar, torturar, armar, matar como verbos principais e é a antítese de qualquer proposta política que se queira republicana e baseada no diálogo?
Como responder a essa violência sem alimentar a polarização que é um de seus pilares e fonte de seu aguçamento? Como não fomentar gabinetes do ódio com o afeto que lhes serve de esteio e, ao mesmo tempo, não sucumbir ao medo paralisante?

Que a arte, mais uma vez, nos sirva de inspiração.

Em "Partida" (2019), documentário de Caco Ciocler, um grupo de amigos segue de ônibus em direção ao Uruguai com o objetivo de tentar encontrar José Mujica na véspera do Ano-Novo —véspera da posse de Bolsonaro, sua antítese. Essa foi a resposta que o ator, em sua segunda incursão como diretor, deu com seus amigos para a desesperadora situação. Raras vezes temos exemplo tão acabado de elaboração de um trauma em tempo real, interpretado e registrado por uma obra de ficção.

A trupe dá sua resposta à desesperança: não há o que esperar.

Sem patrocínio, sem saber se teriam um filme como resultado, todos se propuseram a embarcar nessa viagem caótica e profundamente afetiva de difíceis negociações entre sujeitos com ideologias distintas rumo a um objetivo comum.

Todos os sentidos do título estão justificados na obra: a ruptura causada pelo resultado da eleição, a travessia de "road movie", o jogo de disputas entre protagonista e antagonista, representados com emoção e integridade por Georgette Fadel e Léo Steinbruch, respectivamente. A grande aposta do filme talvez seja que a partir de diferentes premissas —algumas inconciliáveis— existam cidadãos dispostos a buscar um projeto comum de país. Algo que, na boca do engenheiro de som e ator Vasco Pimentel —sempre genial—, é denunciado pela afirmação de que o Brasil, desde sua fundação, jamais foi projetado para tornar-se um país —tese compartilhada por historiadores e comprovada no nosso dia a dia.

Superar o trauma de ter Bolsonaro e família nos representando passa por refletirmos se temos um projeto de país, qual ele seria e como unir forças antagônicas na aventura de concretizá-lo.
Antes sequer da posse do novo presidente, o filme de Ciocler antecipava a necessidade de uma frente democrática ampla.

Votaram com convicção em Bolsonaro 39,2% dos eleitores, enquanto 60,8% votaram em seu concorrente, em branco, nulo ou abstiveram-se. Embora a cifra tenha sido suficiente para eleger o presidente, ela nunca representou a maioria da população. A boa notícia é que, passados 18 meses, #somos70porcento no ônibus-Brasil.

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