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Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"

Lula vai continuar falando esquerdês para a esquerda?

Que audiência ele resolveu eleger? E para convencê-la de quê?

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Em retórica, a disciplina que trata dos meios e modos da argumentação, há uma máxima que diz não haver auditório universal. Significa que quem deseja convencer os outros tem que decidir de antemão para quem quer falar e com que fim. Para tanto, o orador precisa conhecer não apenas o público a que se dirige mas que argumentos serão capaz de movê-lo na direção desejada. Em início de governo, isso vale para a comunicação governamental e, sobretudo, para a comunicação política da Presidência.

Aparentemente, a máxima enunciada sofre um pouco nesses novos tempos de comunicação alargada em que paredes e limites não fazem sentido. Tanto faz se o presidente fez uma declaração numa coletiva, em um post no Twitter, em um podcast de nicho, na reunião ministerial, numa assembleia de estudantes, na ONU ou no cercadinho do Alvorada. Se alguém filmou, gravou, relatou e publicou em qualquer meio, chegará a um público universal; independentemente de o orador ter modulado os temas e os apelos apenas para aquele público, hostil ou amistoso, formal ou informal, que lhe estava diante.

Ilustração de Benjavisa Ruangvaree para coluna de Wilson Gomes de 31.jan.23 - Benjavisa Ruangvaree/Adobe Stock

Por outro lado, não há como negar que se possa segmentar o público a quem preferencialmente se dirige, desde que este seja capaz de entregar o que o orador deseja. Bolsonaro dirigiu-se o tempo todo aos bolsonaristas, a sua minoria de fiéis, e ignorou praticamente todos os outros públicos que compõem a sociedade brasileira. É discutível se isso foi estúpido —por ter promovido radicalização e, por fim, a mobilização contra ele de todos os "de fora"— ou se foi genial –por ter sido capaz de compactar, e até de ampliar, um grupo de crentes que nunca o abandonou e quase lhe deu a vitória.

E o presidente Lula? Para quem escolheu falar? Que audiência resolveu eleger e para convencê-la de quê?

Lula é um mestre da argumentação pública. Deixem-no falar e ele vende qualquer ideia ao seu interlocutor. Por outro lado, e como todo os que espontaneamente se expressam muito bem, frequentemente é conduzido por seu auditório imediato, as pessoas que lhes estão diante e que recompensam com aplausos uma determinada abordagem de certos temas e incentivam com sorrisos cúmplices certas hipérboles. É uma tentação a que Lula cede prazerosamente. Acabou a era dos marqueteiros que sopravam no ouvido o que o presidente deve fazer e dizer, mas nada parecido com uma comunicação estratégica foi posto em seu lugar. É tudo no "feeling", e uma pregação para convertidos: o presidente fala o que os petistas tatuados e os identitários de esquerda desejam ouvir.

O problema é que Lula venceu a eleição, mas está longe de consolidar a sua vitória. E não apenas porque o espectro de um golpe continuará rondando enquanto Bolsonaro for um líder de seita, mas antes de tudo porque os brasileiros criaram um paradoxo, elegendo ao mesmo tempo Lula presidente e um Congresso que lhe é adversário, e em grande parte bolsonarista. Ainda esta semana a parte ativa do "bolsolirismo", o consórcio político que devastou o país nos últimos anos, será confirmada na Presidência da Câmara.

Além disso, convém lembrar que Lula venceu por muito pouco, o país está dividido, a base petista não representou nem ¼ das forças democráticas que correram para evitar a vitória de Bolsonaro, no ano que vem tem eleições municipais e o bolsonarismo vai tentar o seu retorno ao Executivo, novos grupos políticos antipetistas (o agro, policiais & militares e evangélicos conservadores) continuam ativos, poderosos e influentes.

Por fim, a lua de mel com o jornalismo, que cerrou fileiras em defesa da democracia e está dando uma folga não usual ao PT, será testada quando a primeira reforma for apresentada. Nada disso é boa notícia para quem resolveu falar prioritariamente para o aplauso do seu próprio público.

Se Lula não começar a se dirigir aos seus eleitores relutantes, aos que o apoiaram em outubro e janeiro (mas apenas porque o seu arquirrival é desprezível) e até aos bolsonaristas light, em vez de Lula 3° teremos, de algum modo, um Bozo 2°; do ponto de vista da estratégia de comunicação política, entenda-se.

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