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Vítimas de prédio vivem impasse diante de ritmo lento da Promotoria

Promotor atribuiu a Conselho Tutelar avaliação de crianças em acampamento

Criança brinca em meio a barracas montadas no largo do Paissandu após tragédia em prédio incendiado - Danilo Verpa - 16.mai.18/ Folhapress

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São Paulo

Desde o incêndio e queda há duas semanas do prédio de 26 andares invadido por sem-teto no largo Paissandu, no centro de São Paulo, segue indefinida de quem é a responsabilidade sobre o destino das famílias que se recusam a ir para abrigos da prefeitura e continuam acampadas diante dos escombros.

A Promotoria de Infância de Juventude do estado, por exemplo, a quem cabe acionar o Judiciário para resolver a situação das crianças que vivem em situação precária, sem banheiro e dormindo em barracas, demorou quase duas semanas para se manifestar.

Quando o fez, na última segunda-feira (14), atribuiu o papel de avaliar o grau de vulnerabilidade das crianças aos conselheiros tutelares que atuam na região. Estes, por sua vez, relatam dificuldades em atuar em meio às famílias, que temem terem os filhos retirados a força pelos agentes.

O resultado disso é um jogo de empurra. Cerca de 50 famílias continuam acampadas e se recusam a ir para abrigos enquanto não receberem as primeiras parcelas de R$ 400 do auxílio-aluguel prometido a elas, a serem pagas pelo estado por um ano e depois pela prefeitura, até que recebam uma moradia definitiva. Não há, porém, prazo nem certeza do recebimento da casa.

O Ministério Público paulista, que muitas vezes foi à Justiça contra iniciativas da prefeitura, desta vez apenas instruiu os conselheiros tutelares a orientar os pais sobre os riscos de manter as crianças em situação de vulnerabilidade.

O promotor Luís Gustavo Castoldi pediu também que os conselheiros tutelares mandem informações detalhadas apenas no caso de se depararem com crianças em situação de risco. A Folha procurou o promotor, mas o pedido de entrevista foi negado. 

Os conselheiros tutelares, que atuam de forma independente apesar de estarem atrelados à prefeitura, dizem que sempre comunicam a Promotoria a respeito da situação das famílias no acampamento, muitas vezes em tempo real.

Esse trabalho vem sendo feito apesar da dificuldade de se aproximarem das famílias. “Há boato espalhado de que vamos tirar as crianças dali à força, por isso, muitas vezes, evitamos dizer quem somos”, afirmou a conselheira Lualinda Silva de Toledo.

Além disso, os conselheiros relatam a sensação de perda de controle no número de pessoas que não param de chegar ao acampamento, oriundas de outras ocupações no entorno, muitas delas atraídas pelas doações abundantes às vítimas do incêndio que deixou ao menos quatro mortos e outros cinco desaparecidos. “Estamos perdidos, não há como dar conta de tantos atendimentos”, diz a conselheira.

Outro indício de falta de controle da situação é o número de crianças calculado pela prefeitura. De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos, há apenas 15 delas no local e que deveriam receber encaminhamentos, como atendimento médico.

Líder do acampamento, Valtair José de Souza, 47, afirma que há ao menos 120. A reportagem esteve no local em diferentes dias e horários e contou pelo menos 40 crianças.

Diante do impasse, não há previsão para as famílias deixarem a praça. A proposta do auxílio-aluguel por tempo indeterminado foi bem recebida no acampamento, mas ainda há desconfiança. 

“Só vamos sair daqui quando todas as famílias tiverem a garantia de que receberão o auxílio”, diz o líder da ocupação. Eles também exigem que a prefeitura ceda uma imóvel desocupado no centro, o que por ora está fora do radar da gestão Bruno Covas (PSDB).

Para aumentar a pressão, o movimento articula aumentar o tamanho do acampamento com famílias que moravam no prédio mas que aceitaram ir para abrigos após o incêndio.

No entorno das barracas, formou-se uma espécie de acampamento paralelo de famílias que moram em outras ocupações e esperam serem contempladas pelo benefício. Não há, porém, previsão de que essas pessoas receberão o auxílio, destinado a famílias desabrigadas. 

Entre as diferentes famílias de outras invasões que se juntaram ao acampamento das vítimas no largo do Paissandu está a de Solange Aparecida Alves, 44. Com o neto Micael de apenas um mês no colo, ela aponta para um prédio abandonado ao lado e questiona a razão de não poder morar ali. “Tem tanto lugar vazio no centro e nós aqui, na rua.”

Ela conta que morou na rua desde os 11 anos e, nos últimos, tem habitado diferentes ocupações pelo centro da cidade. Aos 18 anos, Solange perdeu o rumo de dois filhos, ainda bebês, que foram levados para abrigos pelo fato de ela não ter moradia fixa. As crianças foram adotadas, e Solange sabe que não tem como reconhecer os filhos se, por acaso, passar por eles na rua.

Agora, ela teme que aconteça o mesmo com os netos e a filha de sete anos. “Tentamos nos esconder quando o Conselho Tutelar aparece”, diz, ao mostrar a carteira de vacinação em dia das crianças e afirmar que elas não deixam de frequentar a escola —requisitos mínimos para a guarda não ser questionada. 

Entenda aqui o que já se sabe sobre o desabamento de prédio em SP ​  ​


 

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