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Thiago Amparo

Governo quer dificultar o combate à tortura

Ao exonerar peritos do Mecanismo Nacional, presidente desmonta política sobre o tema

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Onze peritos responsáveis por fiscalizar o combate à tortura no país com a terceira maior população carcerária do mundo; 704 mil presos em unidades prisionais, fora outros milhares privados de liberdade em outros locais como delegacias, contêineres ou algemados a céu aberto. Esse é o tamanho do desafio do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, responsável por visitar e reportar maus tratos e torturas no país, desmantelado nesta terça-feira (11) pelo governo federal.

Por meio do Decreto 9.831, publicado hoje, Bolsonaro retirou em uma só canetada a independência do mecanismo nacional antitortura. A partir de agora, os peritos não receberão remuneração pelo trabalho realizado, e deverão ser designados pelo próprio Presidente da República, em vez de serem apenas nomeados pelo presidente após escolha pelo Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. 

Atrelando desmantelamento da política de combate à tortura ao fim da balbúrdia nas universidades, a partir de hoje, os peritos do Mecanismo não poderão estar “vinculados a redes e a entidades da sociedade civil e a instituições de ensino e pesquisa”. Ou seja, peritos não poderão ser pessoas com alguma experiência e/ou conhecimento relevante para a prevenção e combate à tortura. 

É questionável, para dizer o mínimo, a legalidade da medida do governo. Ao prejudicar a independência do mecanismo desenhado para combater a tortura no Brasil, o governo federal atenta contra a própria Constituição Federal, que prevê como cláusula pétrea a proibição da tortura. Ademais, o governo viola compromisso internacional assumido pelo Brasil quando da ratificação do Protocolo Facultativo da ONU, que justamente determina a existência de mecanismos como esse. Isso sem contar o fato de que o Mecanismo Nacional foi estabelecido por lei (12.847) e, portanto, um mero decreto presidencial não pode modificá-lo sem que seja por meio de uma legislação aprovada pelo Parlamento (e dentro das regras constitucionais para tanto).

Politicamente, por que o governo quer dificultar o combate à tortura? Uma hipótese: Bolsonaro tem medo da transparência. Ao presidente, saber que há órgãos independentes responsáveis por combater arbitrariedades deve dar coceiras. E isso não é de hoje: desde o começo do governo, integrantes do mecanismo contra tortura têm denunciado a falta de liberação de recursos para vistorias em prisões e atraso na nomeação de membros da sociedade civil pelo presidente, entre outros.

Legaliza-se por meio desse decreto um governo autocrático, por meio do qual mantém-se um mecanismo pro forma sob a guarda do palácio presidencial. Combate à tortura não é e não deveria ser tratado como um assunto controverso, que dividisse esquerda e direita. Trata-se de uma das mais básicas garantias individuais de não ser submetido a sofrimento extremo pelo Estado.

Ao desmantelar o mecanismo contra a tortura, o governo emite dois sinais políticos relevantes. De um lado, para sua base mais fiel, o governo sinaliza que, sob pretexto ilusório de estar economizando recursos públicos, compactua com a legalização da barbárie. Legalizando-a, sinaliza para governos estaduais, por outro lado, que não se preocupa em exercer qualquer tipo de supervisão nacional sobre as práticas recorrentes de maus tratos e tortura nas unidades prisionais e delegacias estaduais ao redor do Brasil. 

Ustra-se a política nacional, portanto.

Thiago Amparo Advogado, é professor de políticas de diversidade na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos humanos e discriminação.

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