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Descrição de chapéu Coronavírus

Matriarca acolhedora e viajante é uma das vítimas do coronavírus no Ceará

Oito pessoas da família de Zelinda Cidrão, 85, apresentaram sintomas, mas só quatro fizeram teste

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Belo Horizonte

Zelinda Cidrão chegou aos 85 anos com histórico de saúde melhor do que o dos filhos. Tinha um problema de hipertensão, mas nada que a impedisse de tomar cerveja na praia, um uísque à noite, caminhar horas com os netos ou seguir viajando o mundo com a família.

Onde ia, a matriarca chegava sorrindo e abrindo os braços, segundo o neto Rodrigo Cidrão, 34, que se despediu da avó na quinta-feira (26). Ela é uma das vítimas da Covid-19 no Ceará.

No dia 7 de março, a família se reuniu em um almoço tradicional de sábado. Três dias depois, oito pessoas começaram a ter febre e tosse seca. Cada um recebeu um diagnóstico diferente –influenza, H1N1, dengue, mas não o novo coronavírus.

Ninguém da família havia viajado para o exterior ou para estados que registraram casos da doença, como São Paulo. Tampouco haviam tido contato com pessoas que tivessem estados em lugares foco do contágio.

Rodrigo conta que sua febre passou em dois dias. A dos pais e da avó demorou um pouco mais. O pai e a avó, que se trataram com antibiótico, davam sinais de melhora. A mãe, que foi medicada apenas com analgésico, perdeu o olfato e o paladar.

No dia 19 de março, porém, Zelinda acordou sem forças para caminhar. No hospital, para onde foi levada às pressas pelo neto, os enfermeiros verificaram que a saturação de oxigênio no sangue era de 66% -- o nível ideal é acima de 90%.

O diagnóstico foi de Sara (Síndrome de Angústia Respiratória do Adulto), que indica lesão pulmonar aguda, e ela foi entubada em seguida. No mesmo dia, um casal de tios, que esteve no almoço, foi internado em outro hospital de Fortaleza, também com problemas respiratórios.

“Essa doença é muito séria e é ardilosa, porque age em tempo diferente, com sintomas diferentes em cada pessoa. Desde não manifestar nenhum sintoma até ter um agravamento muito rápido –e é muito rápido– e o paciente não conseguir mais respirar”, diz Rodrigo.

Ele convenceu o pai, com histórico de problemas cardíacos e diabético, a ir ao hospital também. No local, uma instituição privada, apesar de alertar enfermeiros e médicos sobre a possibilidade de infecção pela Covid-19, eles ouviram que teriam que esperar a triagem, junto a outros pacientes da emergência.

Apenas as quatro pessoas da família que foram internadas fizeram teste para o vírus Sars-CoV-2. Rodrigo pediu para ser testado, mas ouviu que, como não apresentava sintomas, não era prioridade.

Acompanhando as notícias sobre a doença, a família pediu aos médicos que tratassem Zelinda com a hidroxicloroquina. Usada para tratar lúpus e artrite reumatoide, um pouco diferente do fosfato de cloroquina, ela é uma das drogas que cientistas testam para ver se há melhoria em pacientes infectados pelo novo coronavírus.

No caso de Zelinda, o tratamento ajudou a baixar a carga viral, segundo a família. “Mas o coronavírus deixou de ser o principal risco, porque o pulmão já estava muito afetado, começaram a falhar os rins”, explica o neto.

Natural de Tauá (a 342 km de Fortaleza), no Sertão dos Inhamuns, foi lá que Zelinda conheceu Ernesto, com quem foi casada por mais de cinco décadas, até a morte dele, em 2011.

Matriarca acolhedora, além de novelas e serestas, ela amava viajar. Conheceu Japão, China, Tailândia, Havaí, Rússia. Fez cruzeiro no rio Amazonas, conheceu o frio em Gramado e Canela, caminhou nos parques de Montevidéu, Uruguai, e se divertiu em um safári na África do Sul.

Na quinta, seu caixão foi retirado do hospital lacrado. Sem poder ter um velório, três netos e dois dos cinco filhos foram as únicas pessoas que acompanharam o caminho no cemitério. “É uma sensação de vazio muito grande”, diz Rodrigo.

Para celebrar a vida da avó, ele planeja uma homenagem em praça pública, com banda, família, amigos e louvor a Deus, assim que o período de quarentena passar. “Não tem quem traga minha avó de volta para comer pipoca e ver um filme comigo em uma tarde de domingo. Dinheiro a gente dá um jeito. A recessão vai vir forte no mundo inteiro. Agora é hora de refletir nossas prioridades como sociedade”, diz ele.

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