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Prefeito de SP há um mês, Ricardo Nunes cola na imagem de Covas e enfrenta brigas internas

Nos primeiros 30 dias, ele privilegiou visitas à zona sul da cidade, seu berço eleitoral

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São Paulo

Há um mês à frente da prefeitura da maior cidade do país, Ricardo Nunes (MDB) se manteve colado à imagem de Bruno Covas (PSDB) e já tem de manejar disputa política entre os diversos grupos que fazem parte de sua base de apoio.

O discurso de continuidade em relação a Covas, morto em decorrência de um câncer em 16 de maio, é visto como um meio de tranquilizar secretários, vereadores e o eleitorado nesse primeiro momento e até de se blindar contra questionamentos.

As ligações controversas de Nunes com entidades gestoras de creches na capital (ele nega irregularidades) e uma queixa de ameaça registrada pela esposa, reveladas pela Folha, acabaram servindo de munição de adversários contra a chapa de Covas e do então vereador emedebista durantes as eleições.

Além disso, ideologicamente, Nunes tem um perfil diferente do do tucano e é ligado à ala conservadora da Igreja Católica. Em 2015, ele atuou contra a chamada “ideologia de gênero”, como conservadores costumam se referir a menções à diversidade sexual, mas refuta o conservadorismo e se diz uma pessoa de centro.

Nunes assumiu a prefeitura provisoriamente após licença de Covas, no início de maio. Há um mês, assumiu definitivamente a função, com a morte do tucano.

Considerado discreto, solícito e cordial, Nunes tem cumprido uma intensa agenda de trabalho, com participação em eventos, inaugurações e visitas a equipamentos públicos, a fim de se tornar mais conhecido pela população, além de reuniões com secretários e líderes do governo.

Na rua, está sempre acompanhado de técnicos e assessores. Eles entram em cena para explicar questões mais específicas, como a concessão do Anhembi à iniciativa privada, por exemplo, ou ainda para garantir que as respostas dadas a jornalistas não causem ruído.

Para reforçar a ideia de continuidade, Nunes tem se cercado de nomes fortes da gestão Bruno Covas, como o secretário da Saúde, Edson Aparecido, e o secretário de governo, Rubens Rizek. Ele também refuta qualquer troca na chefia das pastas.

Ainda assim, já começa a trazer algumas pessoas mais próximas, como o ex-subprefeito da Vila Mariana, Diogo Soares, agora secretário-executivo.

Nunes também nomeou o consultor ambiental Antonio Fernando Pinheiro Pedro para o cargo de secretário-executivo de Mudanças Climáticas. A escolha foi vista como um sinal ambíguo que dificilmente seria emitido por Covas, já que Pedro colaborou com a política ambiental do governo Jair Bolsonaro.

Outro fato que gerou ruído por ser lido como um sinal conservador foi o aval da prefeitura a um projeto de lei do vereador Rinaldi Digilio (PSL), de nome Escolhi Esperar, com objetivo de prevenir a gravidez precoce, com base em abstinência sexual.

O projeto já foi aprovado em primeiro turno e a segunda votação está prevista para esta semana. Questionada, a prefeitura afirmou que "o parecer da Secretaria da Saúde é técnico, portanto não autoriza nenhuma ilação político-ideológica".

A prefeitura deu um parecer positivo ainda no ano passado sobre o assunto, antes de Nunes ser prefeito, mas o possível apoio ao projeto e uma eventual sanção tem sido visto como "uma guinada conservadora" pela oposição.

"O debate e a deliberação sobre a proposta devem ocorrer no âmbito da Câmara Municipal", diz a prefeitura, acrescentando que as ações desenvolvidas focam a autonomia dos adolescentes e acesso a métodos contraceptivos.

​Como parte do movimento de se manter atrelado a Covas, o atual prefeito trouxe a ex-mulher do tucano, aren Ichiba de Oliveira, como assessora na agência reguladora de serviços públicos da cidade.

Ao longo de uma campanha na qual Nunes foi a principal vidraça eleitoral da chapa, pessoas próximas dizem que ele desenvolveu uma relação de amizade e gratidão a Covas, que bancou sua permanência. Ele não era a primeira opção para a posição de vice, e sua escolha foi resultado de uma costura envolvendo João Doria (PSDB) e o MDB.

Durante o período em que Covas ficou doente, a ordem à equipe era continuar trabalhando. Seguindo essa premissa, Nunes manteve agenda mesmo no dia seguinte à morte do tucano.

Nos primeiros 30 dias, Nunes privilegiou visitas à zona sul da cidade, seu berço eleitoral. Foram ao menos dez participações em eventos, coo doação de cestas básicas e campanha de vacinação de motoristas e cobradores de ônibus. Ele nega que tenha priorizado a região.

Em razão da pandemia, a maior parte das agendas tem sido ligada à área da saúde, como a entrega de leitos para tratamento de pacientes com Covid, melhorias em hospitais e início da vacinação de grupos prioritários.

Ligado ao empresariado, Nunes abriu espaço na agenda para representantes do sindicato dos professores da rede municipal, categoria que estava em greve desde o início do ano letivo, e lideranças como padre Julio Lancellotti, que trabalha com a população de rua.

O prefeito também tem se mostrado ativo nas redes sociais. Em suas contas, há registros diários de reuniões com secretários, eventos e anúncios de medidas positivas, sempre acompanhados da hashtag #gestãobrunocovas.

Para o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV, Nunes deve demorar a sair da sombra do tucano por falta de capital político.

“[Nunes] era um vereador tímido, não tinha muita projeção sobre a cidade. Como uma liderança fraca, ele tem muitos senhores”, diz. “Agora a gente está vendo um prenúncio de crise com a bancada do PSDB. A nomeação de um bolsonarista para o meio ambiente já causa um certo mal-estar, porque de alguma maneira é algo que foge da linha que o Covas vinha tentando dar.”

Membros do governo municipal ouvidos pela Folha dizem acreditar que Nunes não fará grandes mudanças no governo neste ano. Assim, o MDB se mantém no comando da prefeitura, o PSDB domina o primeiro escalão, e o DEM, do influente presidente da Câmara, Milton Leite, segue com as secretarias e atuando em políticas de várias pastas.

A princípio, o grupo de Nunes achou que manter essa configuração bastaria para conter a pressão, mas a estratégia não parece satisfazer a todos. Integrantes do próprio partido do prefeito pressionam por mais espaço. Com apenas três vereadores e três deputados estaduais, o MDB vê na maior cidade do país a chance de ocupar postos de mais destaque, com cautela para não jogar Nunes nos braços do PSDB.

O tucanato ligado a Covas sondou Nunes para uma possível mudança de sigla. O emedebista avisou o partido, mas até agora não sinalizou que vá trocar de legenda.

Com medo de perderem espaço, alguns vereadores tucanos ainda têm se queixado de que agora precisarão batalhar mais pela sanção de seus projetos, mas oficialmente o partido ainda integra a base governista na Casa.

Nesse primeiro mês, Nunes fez questão de se mostrar próximo da Câmara, onde atuou como parlamentar ao lado de grande parte dos membros atuais. O afago veio por meio da sanção de projetos de vários vereadores, inclusive da oposição, como petistas, um parlamentar ligado ao MBL (Movimento Brasil Livre) e uma bolsonarista.

Além disso, tem feito reuniões com vereadores de cada legenda. Na semana que vem, deve receber os oito integrantes da bancada do PT, segundo Eduardo Suplicy (PT), líder do partido na Câmara.

“O novo prefeito ainda não deu passos significativos que indiquem uma mudança de rumo em relação ao que vinha sendo feito. Mesmo assim, vamos reforçar o diálogo acerca de alguns projetos nossos e também falar da prorrogação, por decreto, do pagamento do renda básica emergencial”, diz Suplicy.

Para Milton Leite, presidente da Câmara, Nunes tem mantido o mesmo nível de diálogo com a Casa, e a agenda segue como a planejada no início da gestão. “Essa agenda não é do Bruno ou do Ricardo. Essa é a agenda que venceu as eleições, então temos de cumprir o nosso compromisso com o povo.”

Depois de aprovar a alteração da Operação Urbana Água Branca, que barateia potencial construtivo ao mercado, Leite já mira o projeto que permite a instalação de antenas de 5G para operadoras de celular a fim de melhorar o sinal de internet em regiões periféricas. Para isso, ele afirma que permanece estruturada a base aliada na Câmara.

Vidraças

Em meio à rotina corrida de prefeito, Nunes continua respondendo a questões relacionadas às suas vidraças eleitorais.

Conforme a Folha revelou no ano passado, ele é próximo de entidades gestoras de creches terceirizadas e de donos de empresas locadoras dos imóveis onde funcionam as escolas ligadas a essas instituições.

O emedebista sempre afirmou que os vínculos se formaram com pessoas da mesma região em que vive, na zona sul de São Paulo, feitos antes de ter sido eleito vereador da cidade, a partir de 2012.

No último mês, veio à tona a existência de nova investigação que inclui Nunes e empresas fornecedoras das creches, conforme revelou o jornal O Estado de S. Paulo.

O prefeito nega qualquer irregularidade em sua ligação com as creches. Ele tem repetido em entrevistas que outra apuração, aberta pela Promotoria em 2018 sobre tema similar, não encontrou nada contra ele.

Nunes também mudou mais uma vez a estratégia para lidar com a questão de boletim de ocorrência registrado pela mulher, Regina Carnovale, em 2011, citando ameaças.

"Inconformado com a separação, [Nunes] não lhe dá paz, vem efetuando ligações proferindo ameaças, envia mensagens ameaçadoras todos os dias e vai em sua casa onde faz escândalos e a ofende com palavrões. Afirma a vítima que diante da conduta de Ricardo está com medo dele", dizia o documento revelado pela Folha.

Na época eleitoral, a assessoria de Nunes chegou a enviar documento assinado pela mulher do prefeito dizendo: “Sobre o boletim, eu estava em um momento difícil, muito sensível e acabei dizendo coisas que não são reais”.

Posteriormente, Regina disse ao jornal O Estado de S. Paulo que não lembrava de ter feito o boletim. Agora, o prefeito disse que o boletim não existe, segundo o UOL.

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