Colocação e retirada de pedras sob viadutos na zona leste de SP custaram R$ 48 mil

Obra para afastar moradores de rua motivou manifestações; prefeitura diz que construtora custeou maior parte do gasto

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Aline Mazzo Lucas Veloso
São Paulo | Agência Mural

A colocação de pedras sob os viadutos Dom Luciano Mendes de Almeida e Antonio de Paiva Monteiro, no Tatuapé (zona leste de SP), para afastar moradores de rua, e sua posterior retirada custaram R$ 48,4 mil.

A obra, classificada como higienista por especialistas, foi feita no fim de janeiro deste ano, e revelada pela Folha. Diante da repercussão negativa, a prefeitura montou operação com escavadeiras e marteletes para tirar pedras e paralelepípedos colocados sob as estruturas.

Na época, a prefeitura informou ter aberto sindicância para apurar o valor da obra e a responsabilidade dos envolvidos. Ao término da apuração, a Secretaria Municipal das Subprefeituras informou que a ação foi uma decisão isolada de um funcionário para evitar descarte de entulho no local. O servidor, segundo a pasta, perdeu o cargo comissionado e foi advertido. O custo da obra, no entanto, não foi divulgado.

Os valores só foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação pela Agência Mural e pelo gabinete do vereador Eduardo Suplicy (PT) —ao qual a Folha teve acesso—, após três meses de pedidos e recursos. A colocação das pedras custou R$ 8.452,06 aos cofres públicos. Já a retirada, mais trabalhosa, saiu por R$ 40.040,56.

Segundo a prefeitura, o gasto com a retirada foi ressarcido pela empresa que executou os serviços, a Corpotec Construtora e Empreendimentos Imobiliários. A gestão Ricardo Nunes (MDB), no entanto, não informou por que a construtora assumiu o custo, já que a obra foi solicitada por um servidor da Subprefeitura da Mooca.

Procurada pela Folha, a Corpotec afirmou que não comentaria o caso.

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Funcionários da empresa contratada pela prefeitura colocam pedras sob o viaduto Dom Luciano Mendes de Almeida, no Tatuapé, na zona leste de SP - Zanone Fraissat - 28.jan.21/Folhapress

Informado do valor gasto na obra, o padre Júlio Lancellotti —que fez um ato durante a retirada das pedras e acompanha o caso desde então— disse que o município poderia ter usado essa verba para atender a população que a obra quis afastar.

“Esse dinheiro poderia ter sido investido em aluguel e locação social e até construção de mutirão”, comentou. “Muitas coisas podem ser feitas como benefício direto para essas famílias que hoje estão ali em barracos por não terem para onde ir.”

De acordo com censo feito pela prefeitura em 2019, a capital tem 24.344 moradores de rua, sendo que 8,8% deles ocupavam baixos de viadutos. A Subprefeitura da Mooca 835 pessoas em situação de rua nestas condições.

Atualmente, 24 famílias moram em uma pequena favela sob o viaduto Antônio de Paiva Monteiro. Com barracos feitos de madeira e todo tipo de material reciclável, eles se queixam da falta de assistência da prefeitura e da constante pressão de funcionários da subprefeitura para que deixem o local.

O reciclador Igor de Jesus Ferreira, 25, foi o primeiro a chegar, no fim de fevereiro. Trazendo mulher e dois filhos, de um e cinco anos, ele ergueu um barraco de madeira e sacos plásticos. Dois dias depois, chegou seu irmão, que morava em uma ocupação na Mooca (também na zona leste), com mulher e sete filhos.

Os dois, conta Igor, começaram a trabalhar para um pessoal que colocou caçambas sob o viaduto —para eles separarem o material reciclável—, o que teria servido de pretexto para serem ameaçados.

“Um dia depois veio um monte de funcionários da subprefeitura aqui, com GCM [Guarda Civil Metropolitana] e policiais, falando para a gente sair. Aí eu liguei para o padre [Julio] e ele veio e não deixou tirarem a gente daqui. Nós fizemos um acordo para só tirarem a caçamba

Desde então, muitos parentes de Igor —incluindo mãe, irmãos e primos— e moradores da ocupação da Mooca fixaram moradia sob o viaduto, como Raimundo Aparecido de Lima, 73.

“Eu já conhecia eles [família do Igor] de quando a gente morava em uma invasão em Itaquá. Aí teve uma enchente lá no começo do ano e perdi tudo. Resolvi vir para cá porque é um lugar que não tem tráfico, bebum e é seguro”, conta.

Raimundo vive da venda de caminhões de brinquedo que faz com ripas de madeira e pregos doados. Segundo ele, dá para tirar um “dinheirinho”, mas o sustento vem mesmo por meio de doações de cestas básicas e água mineral.

A falta de água é apontada como o principal problema. Não há água encanada sob o viaduto e o pedido de ligação à rede feito à subprefeitura Mooca, segundo os moradores, foi negado.

“Temos 25 crianças morando aqui, grávida e idoso. Não dá para ficar sem um banheiro e com a higiene precária”, diz Igor.

Eles armazenam água doada em uma caixa de 3.000 litros, mas só para limpeza das casas. Os banhos são tomados em uma ocupação perto dali, bem como a lavagem da roupa. A comida é feita com a pouca água mineral que recebem ou conseguem comprar.

A promessa da prefeitura de construir um banheiro no terreno ao lado do viaduto —que pertence ao município, mas está cedido para associação de bairro fazer uma horta— ainda não saiu do papel.

“Não chegou nada. Nenhum benefício da prefeitura. Só chegou a ameaça. Ameaças policiais de despejo, de retirada”, diz o padre Julio, que acompanha as famílias nas tratativas com a prefeitura.

Segundo o padre, os moradores da região também têm feito muita pressão. “Começaram a falar no bairro que as casas estavam sendo assaltadas. Pedi os boletins de ocorrência e não havia nenhum. Estão tentando criminalizar a comunidade para que ela saia daqui. É lamentável.”

As famílias da comunidade também se queixam de que deixaram de ser atendidas pelos agentes de saúde da UBS Belenzinho.

“Chegaram a vir aqui, tiraram sangue da gente, viram as crianças, mas depois disseram que não podiam mais, porque a gente já tinha água e banheiro. A gente tem um banheiro químico que encontramos no lixo e está imundo, nem dá para usar”, diz Igor. “Tá na cara que eles querem que a gente desista de ficar aqui, mas não vamos sair."

A Prefeitura informou em nota que em 12 de maio a equipe de orientadores socioeducativos do Seas (Serviço Especializado em Abordagem Social) Misto Mooca ofereceu acolhimento aos moradores da comunidade, mas nenhum aceitou. Na última terça (25), ainda segundo a nota, o Centro de Referência de Assistência Social Mooca encaminhou as famílias para atualização do Cadastro Único.

Já a Secretaria Municipal da Saúde nega que agentes da UBS Belenzinho não estejam atendendo à comunidade. A pasta informa que nesta quinta (27), mesmo dia em que a reportagem pediu esclarecimentos à prefeitura, "foram realizadas ações de saúde, com orientações sobre qualidade da água, armazenamento, entrega de kits de higiene e limpeza pelas equipes".

Em maio, ainda segundo a pasta, agentes de saúde levaram à UBS moradores da comunidade que apresentavam sintomas gripais. Três deles realizaram exame RT-PCR para atestar se tinham Covid-19 e ainda aguardam resultado.

A secretaria afirma ainda que tem monitorado os moradores com sintomas respiratórios e que realizou orientações sobre contágio pelo coronavírus.

Em 14 de maio, diz a pasta, também foram realizadas ações de orientação sobre "focos de dengue, armazenamento, avaliação da situação do esgoto e orientação" pelos agentes de saúde.

Por fim, a GCM diz prestar apoio às equipes das pastas de Subprefeituras, assistência Social e Saúde, entre outras, para "prover proteção dos servidores e a continuidade dos serviços públicos" e orienta que seus agentes "observem os limites de suas atribuições".

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