Descrição de chapéu Eleições 2020

Vice de Covas luta contra 'ideologia de gênero' e tem influência em modelo de creche sob investigação

Escolha por Ricardo Nunes (MDB), vereador ligado à Igreja Católica, é vista como pressão de Doria

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São Paulo

“Eu sou pela sua família, gênero não”, gritava o vereador Ricardo Nunes (MDB), num coro com pessoas usando faixas com a palavra “família”, no plenário da Câmara Municipal de São Paulo.

O ano era 2015 e, ao fim da votação, todas as menções à diversidade sexual foram retiradas do texto do Plano Municipal de Educação, sendo Nunes um dos principais articuladores da modificação.

Escolhido como candidato a vice de Bruno Covas (PSDB), Nunes é membro da bancada religiosa da Câmara paulistana e próximo a um setor conservador da Igreja Católica. O emedebista também tem forte influência sobre creches conveniadas, setor cuja atuação vem sendo investigada.

João Doria (PSDB), Bruno Covas (PSDB) e seu candidato a vice, Ricardo Nunes (MDB), na convenção que oficializou a chapa - Bruno Santos/Folhapress

Nunes foi anunciado na última sexta-feira (11), após saírem do páreo nomes mais conhecidos como José Luiz Datena (MDB), Marta Suplicy (que pediu desfiliação do Solidariedade) e Celso Russomanno (Republicanos).

A equipe de Covas procurava um nome conservador para a chapa para balancear uma série de acenos do prefeito ao público progressista em sua gestão. O tucano também é forte crítico do presidente Jair Bolsonaro.

Nunes é um contraponto, além de garantir o apoio do MDB, partido com direito ao maior tempo de TV na coligação de Covas. A aliança reúne 10 partidos –PSDB, DEM, MDB, Podemos, PSC, PP, PL, Pros, Cidadania e PV— e terá 40% do horário eleitoral gratuito.

Nunes afirmou à Folha que Covas fez uma escolha que representasse "um arco de alianças amplo e representativo". "Minha contribuição será de extrema lealdade. Vou ajudar nas boas relações entre os Poderes Executivo e Legislativo e já dei mostras de que posso contribuir com as políticas públicas municipais."

A união entre PSDB, DEM e MDB foi costurada pelo governador João Doria (PSDB), que pretende manter essa sustentação para concorrer à Presidência da República em 2022. Ao mesmo tempo, o DEM lançaria o vice-governador Rodrigo Garcia (DEM) ao governo do estado com o apoio dos tucanos, enquanto o MDB poderia chegar à Presidência da Câmara dos Deputados.

Caciques dos partidos minimizam essa leitura, e Nunes a rejeita. "O eleitor vota pensando em quem vai melhorar a vida dele hoje, e não no que pode vir a acontecer daqui a dois anos. Caminhos futuros deverão ser debatidos no momento oportuno."

Entre aliados de Covas, há o entendimento de que a escolha por Nunes se deu por pressão de Doria. O próprio prefeito estava inclinado a convidar seu secretário Ricardo Tripoli (PSDB), mas cedeu para evitar desgastes.

O PSDB trabalhava pela chapa pura, enquanto integrantes do DEM e do MDB insistiam num vice da coligação. O vereador Milton Leite (DEM), que controla parte importante da máquina da prefeitura, foi contrário à chapa pura e endossou o nome de Nunes.

Como o DEM já está contemplado com cargos na prefeitura e no governo, a preferência de indicação do vice era do MDB. A vaga estava prometida a Datena, que desistiu. Com isso, o presidente do MDB, deputado federal Baleia Rossi (SP), sugeriu Nunes, que preside o partido na capital.

Rossi nega compromissos para 2022, diz não ser candidato a presidir a Câmara e afirma haver especulação.

“Tivemos uma conversa franca e republicana sobre a capital de São Paulo. É uma construção local, cada estado é uma realidade. A candidatura de Nunes recoloca o MDB como protagonista na maior cidade do Brasil.”

“Escolhemos o melhor vice possível. É jovem, tem experiência no Legislativo, é um empresário que conhece São Paulo”, diz Marco Vinholi, presidente do PSDB paulista e aliado de Doria. Ele evita falar em 2022 e diz que a aliança é apenas uma organização do campo político do centro democrático.

A aliança tem sido vista ainda como uma frente de oposição a Bolsonaro, que foi alvo de críticas de Nunes. "Principalmente no que se refere à pandemia, faltou diálogo e uma postura mais construtiva para evitar a escalada da doença. Ele poderia ter tido a postura de não gerar tanto conflito. Por outro lado, vejo que o governo federal ajudou os empresários."

A vaga de vice de Covas era uma escolha delicada, já que o prefeito tem um câncer no aparelho digestivo, embora venha reagindo bem ao tratamento. Nunes afirmou que nem pensa nessa questão. "Bruno é um ser humano de uma vitalidade incrível."

A chapa Covas-Nunes está entre a minoria composta por dois homens entre as 14 duplas que concorrem à prefeitura.

A campanha do tucano vai apresentar o vice ao eleitor como o vereador que comprou briga com banqueiros e obteve verba para a cidade –Nunes foi presidente de uma CPI sobre sonegação fiscal que recuperou mais de R$ 1 bilhão aos cofres públicos.

Seu conservadorismo é visto como potencial para atrair eleitores de direita. Segundo aliados de Covas, Nunes, um empresário que começou do zero —com patrimônio de R$ 4,5 milhões declarado em 2016— tem um bom perfil.

Além disso, apostam que ele não terá protagonismo, não vai se opor ao prefeito e aceitará que a gestão municipal não deve ser ideológica.

Antes em busca de um vicê neutro e sem polêmicas, a campanha de Covas agora se prepara para minimizar eventuais desgastes trazidos por Nunes. A respeito de questões de ideologia e religião, ele foi orientado a dar respostas curtas, que não instiguem debate.

Apesar do conservadorismo, Nunes foi da base de apoio ao prefeito Fernando Haddad (PT). Em 2015, o vereador subiu num carro de som, ao lado de padres, para denunciar a “ideologia de gênero”, como conservadores costumam a se referir a menções à diversidade sexual.

Posteriormente, ele relacionou a mudança no plano como uma vitória do bem contra o mal e até mandou ofício a uma escola tentando impedir um evento sobre o assunto. Ele também foi co-autor de um projeto de lei que pretendia implantar o programa Escola Sem Partido.

"O que fiz foi focar no que importava: como fazer o plano de educação ampliar a qualidade do ensino. O importante é que nós possamos sair do campo das agressões, de combate e de conflito. Eu aprendi que devemos amar e respeitar a todos, independente da opção sexual, de raça ou do credo das pessoas", disse Nunes.

Embora seja papel dos vereadores fiscalizar os gastos do Executivo, Nunes é ligado pessoalmente à segunda maior entidade mantenedora de creches conveniadas em número de vagas, a Sobei (Sociedade Beneficente de Interlagos), assim como outros vereadores.

Nunes costuma ciceronear aliados políticos na entidade. Em 2014, esteve lá com Paulo Skaf (MDB), então pré-candidato a governador. Na eleição seguinte, compareceu ao lado de Marta Suplicy, então pré-candidata a prefeita pelo seu partido.

O Ministério Público, em inquérito civil, apura se essa e outras entidades não se beneficiaram das relações políticas na cidade. Nunes já nomeou para seu gabinete ao menos três membros da Sobei —um deles, Reinaldo Tacconi, segue como seu assessor.

Um dos pontos que deve ser esclarecido pela Promotoria é em relação aos imóveis alugados pela Sobei —perto da metade do valor gasto ia para uma pessoa ligada à entidade, Benjamin Ribeiro da Silva, a empresas dele ou de um sócio, como mostrou levantamento feito pela Folha em 2018.

Na ocasião, Benjamin disse não ter cargos na direção da entidade desde os anos 2000, apesar de a própria rede social da instituição se referir a ele como superintendente em 2015. Benjamin doou R$ 5.000 à campanha de Nunes nas últimas eleições.

"Há mais de 20 anos, eu e o Benjamin atuamos juntos em ações nas áreas da assistência social e de educação da nossa região", disse Nunes.

O vereador afirmou ter se afastado da Sobei em 2011 e atuar apenas como doador e voluntário. Disse ainda estar à disposição do Ministério Público.

"Atuo há mais de 20 anos na Sobei, uma instituição sem fins lucrativos que atende a mais de 10 mil crianças na zona sul", declarou. Anteriormente, ele havia falado não haver irregularidade em contratar pessoas ligadas à entidade.

A Promotoria também apura a relação de outros vereadores com entidades do terceiro setor.

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