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Descrição de chapéu Obituário Maria Conceição Mello Almeida Lencastre (1937 - 2022)

Mortes: Influenciou todo mundo a sua volta, principalmente os netos

Em 1974, dona Conceição ganhou um exemplar de 'O Retrato de Dorian Gray', que leu e releu no mínimo uma vez por ano

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Paulo Egreja
São Paulo

Dizem que homens criados com a avó são incorrigíveis, e talvez seja essa a raiz dos meus problemas. Depois de anos culpando meus pais, decidi inovar e culpar minha avó —dona Conceição, você me amou demais. E agora, na hora de me despedir de você, resolvi dar tchau da maneira que você me ensinou: escrevendo.

Cada um dos netos tinha um apelido próprio. Eu era o Lindinho. Guarde essa informação. Uma coisa que me deixou muito triste esses dias é saber que, no dia em que eu tiver filhos, eles não terão a chance de conhecê-la como meus sobrinhos conheceram e se lembrarão dela para sempre.

Por outro lado, em retrospecto, um homem que até os 33 anos foi chamado de Lindinho da Vovó é um sujeito que claramente terá problemas de relacionamento, e isso me fez repensar todas as críticas que já recebi das minhas ex. Portanto, com toda a cara de pau do mundo, estou te responsabilizando, vó, pelos bisnetos que eu não te dei.

Maria Conceição Mello Almeida Lencastre (1937-2022) - Arquivo pessoal

Nossa relação, no entanto, é mais profunda que isso. Em 1993, eu e ela sobrevivemos a um acidente de carro e, mesmo sem admitir, sei que uma parte dela sempre se sentiu culpada por isso. Mas vó, saiba que, se eu pudesse, quebraria as duas pernas, o fêmur e a bacia de novo só para ter você por perto mais um dia. Um dia só, e aí eu te diria tudo que eu sei que você sabe, mas nunca te disse em voz alta.

Você e meu avô foram a minha infância, e duas das pessoas que mais amei na vida. Eu poderia contar como ela foi a mulher mais bonita do mundo, ou que ela me dava caixas de Coca-Cola de presente de aniversário, mas a história que me veio foi essa: em 1974, minha avó ganhou do pai dela (Paulo, de quem herdei o nome) um exemplar de "O Retrato de Dorian Gray" (Oscar Wilde), e ela leu e releu o livro no mínimo uma vez por ano desde então.

Há alguns dias, eu roubei o exemplar, e lendo seus grifos e rabiscos no livro, encontrei essa passagem: "influenciar uma pessoa é transmitir-lhe a nossa própria alma". Não sei se ela estava pensando nela mesma quando decidiu grifar, mas a verdade é que dona Conceição influenciou todo mundo a sua volta, principalmente os netos.

Cada um de nós teve sua própria avó, com suas conversas e programas. Ela foi avó de todos e de cada um. E, se minha irmã é artista plástica, eu escrevo e meu irmão é cineasta, é muito graças a essa alma imensa que ela transmitiu para nós.

Vó, chorei muito essa última semana, chorei escrevendo esse texto, mas percebi que essa será a única memória triste que levarei de você: me despedir.

De resto, foram 33 anos só de coisas boas. Lembranças que me acompanharão pela vida toda, junto com uma saudade que já não cabe em mim.

Maria Conceição Mello Almeida Lencastre morreu no dia 29 de dezembro, aos 85 anos.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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