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Carlos Drummond de Andrade

Não deixem acabar com os yanomamis

Em texto publicado na Folha em 1979, escritor já falava que indígenas corriam riscos

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Carlos Drummond de Andrade

Leia abaixo o texto de Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987) sobre os yanomamis publicado na Folha, no caderno Ilustrada, em 2 de agosto de 1979.

Yanomami. Talvez você nunca tenha ouvido falar nesse nome. Pois saiba que é o nome genérico de cerca de 8.400 brasileiros, gente boa que vive em 203 cabanas, no interior da floresta tropical, bem na fronteira com a Venezuela. Formam 14% da população de Roraima e encontram-se ainda no Amazonas.

Os yanomamis correm no momento um grande risco e estão precisando de você. Não é necessário voar até lá para ajudá-los. Basta, primeiro, que você tome conhecimento da existência deles, do modo de viver que lhes é peculiar, e da situação que enfrentam, sem garantias e sem possibilidade de autodefesa. De posse desses dados, cabe a você interessar-se pelo projeto de um grupo de antropólogos, juristas, médicos e jornalistas, que visa a proteger a vida pacífica dos yanomamis, nos locais que habitam e dentro do tipo de cultura que é tradicionalmente o deles.

Mulher yanomami com malaria é carregada no colo por técnico de enfermagem ao desembarcar na pista da Voare Taxi Aereo, proveniente de uma comunidade na região de Surucucu, na Terra Indigena Yanomami - Lalo de Almeida-29.jan.2023/Folhapress

Este projeto, ou anteprojeto, pois é obra séria de particulares, foi encaminhado ao ministro do Interior, Mário Andreazza, no último dia 28 de julho. Precedido de rigoroso estudo científico do problema, propõe ele a criação do Parque Indígena Yanomami em área comum ao Território de Roraima e ao Estado do Amazonas, onde vivem esses brasileiros.

Esta é a única maneira de salvar a comunidade social e cultural desses homens, mulheres e crianças que desde 1974 vêm sofrendo as consequências do processo de expansão econômica da Amazônia em sua parte negativa, sem se beneficiar com suas possíveis vantagens.

A abertura da Perimetral Norte, BR-210, sem os necessários cuidados de saúde, levou àquela região gripe, sarampo, tuberculose, moléstias de pele e doenças venéreas.

Nos primeiros cem quilômetros do trecho Caracaraí-Içana, 13 aldeias indígenas mapeadas em 1970, e registradas em 1974 por levantamento aéreo-fotográfico do Projeto Radam-Brasil, reduziram-se a míseros grupinhos de doentes à beira da estrada, segundo levantamento da Funai em 1977. Missionários em atividade atenderam a 4.596 enfermos durante 38 meses, antes da chegada dos primeiros trabalhadores da estrada. Em igual período, após o avanço da rodovia, o número subiu a 18.488. Em três anos, as infecções virais multiplicaram-se por oito.

O garimpo irrompeu como outra modalidade da doença, subtraindo dos yanomamis mais de 150 toneladas de cassiterita. Os índios reagiram, houve conflito e as autoridades fizeram recuar os garimpeiros, interrompendo-se as obras da Perimetral Norte. De tudo isso resultou saldo da morte de vários indígenas.

Em 1978, é a Cia. Vale do Rio Doce, que devia ficar quieta em Itabira, Minas, cuidando de seus interesses locais, que se apresta para extrair a cassiterita, antes explorada ilegalmente pelos garimpeiros. Anuncia-se a próxima chegada de 300 funcionários da empresa, sem que se cogite a vacinação prévia dos 3.800 yanomamis. E a Perimetral Norte vai prosseguir, fornecendo espaço à colonização. Topógrafos percorrem o território yanomami, demarcando lotes em terras insofismavelmente pertencentes aos índios.

A Funai, por meio de quatro portarias (ministro Beltrão: que não fique nas cidades a sua guerra à burocracia) reconhece aos yanomamis o direito de viver em 31 áreas esparsas e diminutas, autênticas "ilhas" perdidas na terra que sempre ocuparam. 2/3 dessa terra, em forma de corredores, cercam e ameaçam as pobres áreas onde se refugiam os 3.800 donos do solo. O esfacelamento da unidade territorial, com destruição do ambiente ecológico, acaba praticamente com o grupo étnico, sujeitando-o a inúmeras pressões e vexames de toda sorte.

Única maneira de compatibilizar interesses econômicos e tribais é a criação do Parque, em área aproximada de 6,4 milhões de hectares, mantendo-se a integridade econômica, social e cultural dos yanomamis.

Não se pede muito. Nem se pede o indevido. Pretende-se tão-só conseguir que essa gente humilde continue a caçar, pescar e levar a vida, dentro de seus padrões tradicionais, direito que lhe é reconhecido pelo Estatuto do Índio, ao estabelecer:

"Considera-se posse do índio ou silvícola a ocupação efetiva da terra, que, de acordo, com os usos, costumes e tradições tribais detém, onde habita ou exerce atividade indispensável à sua subsistência ou economicamente útil". Entenda-se que o índio precisa renovar o potencial vegetal na imediações das malocas, rapidamente esgotado; cuidar do reaproveitamento periódico de roças velhas, para colheita de produtos de ciclo longo, e finalmente desloca-se das aldeias após certo tempo. É da natureza deles, e não se pode confiná-los em faixas estreitas e insubstituíveis de terra.

Há inúmeros argumentos em favor da criação do parque; não caberiam nessa coluna. Mas a consciência dos brasileiros há de reconhecer facilmente que os yanomamis têm o direito de viver sua própria vida onde estavam, sem perturbar o desenvolvimento nacional e sem serem perturbados por ele. Você ajudará esse povo interessando-se pelo problema e juntando sua voz aos que pedem ao governo uma decisão sábia, humana e legal. Os yanomamis são uma gente alegre, irrequieta, vida espiritual rica (um princípio vital, nos ossos do indivíduo e um princípio imortal dentro do homem, libertado pela cremação e ascendendo à terra das almas). Cláudia Andujar, que os conhece bem, pois conviveu com eles longo tempo, recolhendo lindas imagens fotográficas, pode falar com autoridade sobre eles. Yanomami é gente como a gente, vamos forçar para que não acabem com esse irmão nosso em nome do progresso.

Coluna de Carlos Drummond de Andrade sobre yanomamis publicada na Ilustrada em 2 de agosto de 1979 - Reprodução

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