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Representante de farmacêuticas omitiu da comissão de ética ser irmão de diretor da Anvisa

Thiago Meirelles assumiu a ProGenéricos, que representa farmacêuticas fiscalizadas por agência da qual o irmão é diretor

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Brasília

O servidor público Thiago Meirelles deixou de informar à CEP (Comissão de Ética Pública) da Presidência da República que é irmão de Daniel Meirelles, diretor da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), no processo em que conseguiu o aval para assumir o comando da ProGenéricos.

O parentesco não foi citado no voto aprovado por unanimidade pelos conselheiros, segundo documentos da comissão obtidos via Lei de Acesso à Informação. Antes de ir para a iniciativa privada, Thiago ocupava o cargo de subchefe de Articulação e Monitoramento dentro da Casa Civil na gestão Jair Bolsonaro (PL).

A associação representa algumas das principais empresas farmacêuticas instaladas no país, que têm a atividade regulada e fiscalizada pela Anvisa.

Thiago Meirelles, presidente da Prógenéricos - Divulgação

Procurados, ProGenéricos e Daniel não se manifestaram. A Anvisa disse apenas que os documentos que integram discussões da CEP são sigilosos.

No fim de janeiro, Daniel disse que não havia ilegalidade e que iria adotar medidas necessárias para evitar qualquer conflito de interesse. Afirmou ainda que decidiu se afastar "de forma preventiva" de alguns debates, enquanto não há resposta da comissão de ética.

Em novembro de 2022, a comissão considerou que não havia potencial conflito de interesse e permitiu que Thiago se tornasse presidente da ProGenéricos sem a necessidade de passar por quarentena ou restringir sua atuação dentro da Anvisa em processos de interesse.

A confirmação da ida de Thiago para a associação constrangeu a cúpula da Anvisa e mudou a rotina do órgão.

Integrantes da agência reguladora aguardam decisão da comissão em novo processo, agora sobre possível conflito envolvendo a atuação do diretor Daniel. A nova discussão da CEP está na pauta da reunião desta terça (14), a primeira feita no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que trocou três dos conselheiros indicados por seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL).

Para a advogada Suzana de Camargo Gomes, que integrou a comissão de 2012 a 2018, Thiago deveria ter revelado à CEP o parentesco com o diretor da Anvisa.

Ela afirma que a Lei de Conflito de Interesses, que completa uma década neste ano, apresenta um conceito amplo de situações que podem ser consideradas irregulares, mas é impossível fazer uma "descrição exaustiva" de todas elas.

O ideal é que casos que possam levantar questionamentos sejam sempre submetidos à comissão, diz a advogada. Para ela, a comissão teria poder, por exemplo, de limitar a atuação de Thiago em processos de interesse da ProGenéricos na Anvisa.

Já o ex-conselheiro Erick Bill Vidigal avalia que Thiago não precisava ter informado sobre o parentesco. Mesmo assim, ele afirma que o diretor da Anvisa deve se afastar de processos que envolvam as associadas da ProGenéricos.

"Do ponto de vista ético, a mim parece que o referido diretor não deveria participar de qualquer julgamento envolvendo tanto a associação quanto empresas associadas, independentemente do assunto, pois o decoro inerente aos cargos públicos impõe conduta que não se esgota no ato de ser ético", disse Vidigal.

"Como bem indica o Código de Conduta da Alta Administração Federal, é necessário parecer ético, em sinal de respeito à sociedade", afirmou ainda.

Procurada, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência disse que Thiago Meirelles não informou o parentesco à CEP e que "o risco de conflito de interesses decorrente de vínculos de parentesco ocorre em relação a agentes públicos durante o exercício do cargo". "O que não é o caso do referido consulente, que protocolou consulta de conflito após deixar o cargo."

No começo de janeiro, quando foi confirmada a troca de comando na ProGenéricos, o próprio diretor Daniel fez uma consulta à comissão para saber se teria de deixar de participar de processos que envolvem a entidade presidida pelo irmão.

Dias mais tardes, os outro quatro diretores da Anvisa enviaram questionamentos ao mesmo órgão, em documento que Daniel decidiu não assinar.

A cúpula da Anvisa avalia que Daniel deveria se abster de todos os processos envolvendo associadas da ProGenéricos.

Já Daniel, na consulta enviada à comissão, afirma que a associação "não defende interesse e nem pode falar em nome" das empresas.

O diretor ainda diz, no mesmo documento, que a consulta se deve à "posse de parente consanguíneo colateral, até terceiro grau" na presidência da associação. Ele não cita que Thiago é seu irmão no documento.

Uma decisão mais dura da CEP, afastando o diretor de processos das associadas da ProGenéricos, teria como efeito o impedir de participar de praticamente todo o debate que envolve o mercado farmacêutico. Isso porque a associação diz representar cerca de 90% das vendas de genéricos no Brasil.

Integrantes da Anvisa ainda avaliam que a redistribuição de processos sobre medicamentos vai sobrecarregar a equipe dos outros diretores.

Na consulta feita em novembro de 2022 à comissão, Thiago afirmou que considerava "inexistir situação potencialmente configuradora de conflito de interesse" ao assumir a associação, segundo a documentação obtida pela Folha.

A comissão apenas decidiu que Thiago não poderia atuar por seis meses em discussões da Casa Civil da Presidência, onde ocupou cargos durante o governo Bolsonaro.

Em 2020, quando era diretor-adjunto na ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), Daniel participou do processo de contratação para a agência de uma filha de Braga Netto. O irmão, Thiago, trabalhava com o general, o que levantou questionamentos sobre nepotismo cruzado.

Após repercussão negativa, o processo de contratação da filha de Braga Netto foi interrompido.

A Univisa (Associação dos Servidores da Anvisa) divulgou nota nesta segunda (13) cobrando reação de órgãos competentes para garantir "uma atuação republicana e isenta" da agência no caso do parentesco. Os servidores ainda dizem que toda decisão da Anvisa sobre medicamentos vai passar a ser vista com desconfiança.

"A situação tomou proporções tais que, mesmo com a eventual substituição do presidente-executivo da ProGenéricos, os atos de seu irmão na Diretoria da Anvisa merecerão o exame quanto a possível conflito de interesse em se tratando de medicamentos", disse a Univisa.

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