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Mesmo com decisões judiciais, Prefeitura de SP dificulta acesso a alimentação por sonda a crianças

OUTRO LADO: gestão Ricardo Nunes diz que alimentos e insumos são adquiridos a partir de processo licitatório e que seguem prescrição médica

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São Paulo

A gravidez foi uma surpresa, descoberta por acaso durante um exame admissional. Aos 44 anos, Débora Medeiros soube que seria mãe de seu segundo filho, Pedro Henrique, hoje com 7 anos. Babá, ela só não imaginava que aquele seria seu último emprego fixo.

Pouco após o nascimento precoce da criança, ela soube que o filho tinha paralisia cerebral e deficiência intelectual. Junto ao diagnóstico, veio a certeza de que o trabalho como babá precisaria ser deixado de lado para se dedicar exclusivamente ao menino. Hoje, Débora depende de programas de assistência social para ter acesso à alimentação adequada enteral, destinada a pessoas que usam sonda, como é o caso de Pedro.

Débora Medeiros e Pedro Henrique, 7, que tem paralisia cerebral e se alimenta exclusivamente por sonda - Folhapress

Desde que Débora se mudou para São Paulo, em 2022, a Secretaria Municipal de Saúde disponibiliza latas da dieta enteral para Pedro e alguns outros insumos para manuseio da sonda, como seringas, luvas e lenços umedecidos a cada seis meses. O custo semestral é de cerca de R$ 28 mil. Por ano, são R$ 56 mil.

No entanto, não é sempre que Débora tem acesso à quantidade ideal de tudo o que precisa. Por exemplo, a restrição alimentar de Pedro não permite que suplementos saborizados sejam introduzidos por sonda, mas em um dos últimos episódios, as latas recebidas da dieta eram do sabor chocolate.

"Desde o ano passado eles estão fornecendo a dieta errada. Da última vez, Pedro passou mal e ficou 15 dias no hospital", relata.

O menino consome cerca de seis unidades de 200 ml da dieta enteral diariamente, cada uma, custa cerca de R$ 30. No atraso da entrega da alimentação adequada, e por conta do alto valor das latas, Débora até tentou seguir com uma dieta caseira como alternativa, mas Pedro perdeu peso.

Procurada, a gestão de Ricardo Nunes (MDB) disse, em nota, que os insumos para dieta enteral, assim como as fraldas dos casos citados pela reportagem, são adquiridos por meio de processo licitatório, a partir de cotação e pesquisa de preço pelo programa Acessa SUS.

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, para a seleção do quantitativo de insumos é considerada a prescrição médica para a utilização de seis meses com, geralmente, duas entregas para utilização de três meses. Os itens, de acordo com a secretaria, são ofertados dentro da validade para serem utilizados conforme o quantitativo descrito.

Nutricionista e professora do Departamento de Nutrição da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Ann Kristine Jansen explica que se alimentação não tiver uma formulação adequada por um profissional de nutrição, talvez não tenha a quantidade de nutrientes necessários.

"Como é preciso liquidificar todos os alimentos para transformá-los numa consistência que infunda no cateter, para que a sonda não acabe entupindo, acrescenta-se mais água, e assim dilui-se aqueles alimentos, diluindo também os nutrientes que estão sendo ofertados", explica Jansen.

Já as dietas industrializadas, em sua grande maioria, oferecem todos os nutrientes que a criança precisa. "A composição nos rótulos desses alimentos mostram a quantidade de caloria, o que permite ajustar o volume dessa dieta de acordo com a necessidade do indivíduo", diz a especialista.

Uma outra queixa relatada por Débora é na hora do acesso à dieta disponibilizada pela prefeitura. As latas de alimentação ficam disponíveis para retirada no Centro de Distribuição de Medicamentos e Correlatos da Secretaria Municipal de Saúde, na zona oeste de São Paulo.

"A partir do momento que você assina [a retirada no galpão], não tem devolução", diz Débora, informando que, na hora, nem sempre é possível conferir a quantidade e tipo de alimentos ofertados.

Além da dieta incorreta, Débora diz que há sete meses não tem acesso a insumos como seringas. A alternativa que ela encontrou foi uma ONG que a ajuda com algumas latas do alimento enteral e algumas seringas para manuseio da sonda.

A dificuldade para acesso à quantidade correta da dieta enteral também é um desafio para Natália Alves, mãe de Maria Eduarda, de 4 anos, que tem atresia das vias biliares e disfagia, condições que dificultam a deglutição, e faz uso de sonda para se alimentar.

"Desde a hora de entregar as receitas médicas até o momento em que retiramos a dieta, é uma dificuldade porque são lugares diferentes, e meu marido sempre tem que faltar no serviço para buscar os insumos", diz.

Em uma das últimas vezes que retirou o alimento, Natália percebeu que estavam em quantidades incorretas. As latas, retiradas em maio, não foram suficientes para o período de três meses. "Até guardo as notas fiscais do que comprei para mandar para a prefeitura porque não vou deixar minha filha com fome", diz.

Até o momento, Natália e o marido, que vivem em uma ocupação na cidade de São Paulo, afirmam nunca terem recebido o estorno pela quantidade de dieta faltante que precisaram comprar para a filha.

Os relatos compartilhados por Débora e Natália também fazem parte da rotina de Kamila Linhares, mãe de Arthur, de 7 anos. Portador de paralisia cerebral e epilepsia, há seis anos ele tem acesso a dieta enteral fornecida pela Secretaria Municipal de Saúde.

No entanto, há dois anos, Kamila tem tido dificuldade para renovar o acesso ao benefício, apesar da entrega de receitas atualizadas. "Entreguei um relatório assinado pela nutricionista e pelo pediatra do Arthur, com o CID das doenças e dizendo que ele precisa sim da dieta enteral, mas mesmo assim foi negado."

Segundo Kamila, uma das justificativas utilizadas na hora de retirar o insumo foi de que a dieta caseira era suficiente no caso de Arthur. "A própria médica disse que pode provocar perda de peso. Até tentei fazer, mas não deu muito certo. Eu tenho que triturar muito todos os alimentos e depois peneirar", diz a mãe.

Em uma das últimas vezes que retirou os insumos na rede pública, 48 das 120 latas disponibilizadas para três meses estavam com o vencimento previsto para os próximos dois meses seguintes, não sendo suficiente para o período.

Ainda, segundo Kamila, as dietas ofertadas não continham as calorias necessárias para Arthur. O alimento enteral entregue tinha 1 kcal por ml, mas de acordo com recomendação médica ele necessita de 1,5 kcal por ml.

Para complementar o conteúdo faltante, Kamila recorre a grupos de maternidade na internet em busca de outras mães que troquem as latas ou que vendam por um valor mais acessível.

As três mães movem processos, junto da Defensoria do Estado de São Paulo, contra a Prefeitura de São Paulo para que sejam entregues alimentos nas quantidades, formulações e por períodos adequados.

Defensora pública do estado de São Paulo, Katia Giraldi afirma que, mesmo com decisão judicial determinando o fornecimento da dieta, a prefeitura não cumpre com o previsto. "Ignoram solenemente as ordens judiciais como se elas não existissem", diz.

De acordo com ela, o descumprimento leva a ações de cumprimento de sentença, como o sequestro de verbas públicas, ou seja, a Justiça retira o valor da dieta que não foi fornecida das contas da prefeitura para que as mães comprem os alimentos faltantes. No entanto, todos os trâmites são longos. "E durante esse período a família não recebe, mas a criança precisa se alimentar", completa Giraldi.

A Folha questionou a secretaria sobre a possibilidade de entrega desses insumos para pessoas em maior vulnerabilidade, mas a pasta não respondeu à pergunta. Foi informado ainda que, caso o responsável julgue o insumo disponibilizado incorreto ou tem quantidade diferente ao prescrito, a recusa deve ser feita no recebimento junto a uma justificativa.

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