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Descrição de chapéu Copa do Mundo

Torcida rompe barreira, e Moscou aceita festa com vodca e cerveja nas ruas

Russos, de olho na bagunça, também ensaiam os seus próprios passinhos

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Moscou

Uma rua de pedestres que leva até a praça Vermelha, no coração de Moscou, virou o QG da festa dos torcedores da Copa, que se revezam ali cantando e dançando ao som de músicas de seus países turbinados por doses de vodca e cerveja em copinhos plásticos.

Não é uma cena que chamaria a atenção em boa parte do mundo, mas os russos, de olho na bagunça, alguns deles também ensaiando seus próprios passinhos por avenidas, nunca viram tanta felicidade à solta em uma praça pública.

"Tudo está muito diferente", diz Anton Nosov, um produtor de eventos.

"A sensação é que a gente morava num porão e de repente há um motivo para sair lá fora e ver o mundo. E ele não é cinza e preto. Não é que a Rússia seja um país tirânico, mas é a mentalidade das pessoas. Todo dia parece feriado. E a polícia está sendo gentil."

Até aqui, os homens de farda na capital russa, notórios por seu estilo linha-dura, vêm fazendo vista grossa para coisas que levariam um russo à cadeia ou renderia pelo menos uma multa desagradável.

Num país onde o consumo de bebidas alcoólicas nas ruas é proibido e onde toda manifestação ou aglomeração de pessoas precisa de uma autorização do governo, os torcedores da Copa desfilam alegres e desimpedidos com seus copinhos de cerveja e se juntam em grandes rodas para beber, dançar, cantar e tocar música.

"Estou até fingindo que sou estrangeiro para beber e fazer xixi onde eu quiser", diz Nosov.

Sem precisar fingir, uns torcedores mexicanos vestindo sombreros e máscaras purpurinadas de luta livre pareciam bem à vontade bebendo num dos banquinhos da Nikolskaya, a rua de pedestres que virou uma espécie de versão moscovita da Vila Madalena, bairro paulistano famoso pela boemia e por excessos etílicos.

"Não é só cerveja", diz Miguel Cabreras, um dos mexicanos, levantando seu copo descartável. "Estamos tomando vodca também e ninguém veio perturbar. Mas é mais a convivência com tantas outras culturas que deixa a gente maluco. O mexicano só quer amizades."

Tanto que trouxeram presentes. Cabreras e os amigos levaram quase 500 das famosas máscaras de luta livre mexicana para distribuir entre os russos. E elas fizeram o maior sucesso, ele conta, parando para tirar selfies com os moscovitas encantados com essa invasão colorida de viajantes.

 

"Todo o mundo está fazendo amigos, e os russos estão mais abertos. Queremos que os torcedores nunca voltem para casa, porque a cidade ficou com um clima legal. Virou uma babilônia mesmo", diz o russo Gregory Plakhotnikov.

"Sinto muito mais liberdade nesta época, porque beber na rua fora da Copa era impossível, era cadeia 100%", ele lembra. "O povo aqui tem medo dos policiais, mas agora todo o mundo ficou mais amigável."

E bem mais prestativo. Num gesto inusitado, talvez inflado por um certo patriotismo, policiais foram vistos entrando num mercado com torcedores argentinos para indicar a vodca que deveriam comprar.

"Tem esse estigma de o povo russo ser muito fechado, mas eles não são grossos", diz Marcos Almeida, um torcedor brasileiro que flagrou os guardas fazendo papel de sommelier.

Lucas Harfield, outro torcedor do Brasil, também se surpreendeu com o clima mais liberal em Moscou. "Bebi muito na rua, até na praça Vermelha tem gente bebendo", conta. "Está tudo muito tranquilo."

Mas todo esse clima de paz e amor também abriu espaço para manifestações machistas que viralizaram nas redes sociais, como o vídeo em que torcedores brasileiros cercam uma mulher que não fala português com gritos obscenos sobre a cor de seu sexo, um dos incidentes mais comentados da Copa até agora.

Os brasileiros, aliás, não estão sozinhos. Torcedores peruanos e argentinos também publicaram vídeos na internet em que assediam mulheres estrangeiras, despertando uma série de reações indignadas.

São atos difíceis de conter no caos provocado pela Copa. Mas há outro fator, que é a presença policial não tão ostensiva quanto prevista.

Os 900 mil homens da polícia russa, de acordo com o maior sindicato da categoria, estão sobrecarregados com a segurança de estádios, o que deixa muitas áreas das cidades-sede descobertas.

"Nem vi muitos policiais, ou talvez eles estejam à paisana", diz Tito Corella, torcedor panamenho que tirava fotos com a bandeira de seu país na Nikolskaya. "Existe um controle, mas nada extraordinário. Fui a Sochi e fiquei bebendo na praça a noite toda."

Toda essa liberdade parece estar em total sintonia com uma estratégia do governo russo de estabelecer uma imagem positiva do país diante dos estrangeiros, que chegam meio ressabiados à Rússia comandada por Vladimir Putin.

Mesmo que por bem pouco tempo, no entanto, os russos também gostaram de sentir esse relaxamento das regras.

Nas ruas de Moscou, logo depois da vitória da seleção anfitriã contra a do Egito, policiais nem cortaram a onda de uma verdadeira rave que fechou várias ruas, entre elas a Dmitrovka, um corredor de teatros e restaurantes do centro.

Enquanto alguns dos torcedores mais eufóricos escalavam postes de luz e andaimes de um prédio em reforma, outros dançavam frenéticos no meio da via, bloqueando o tráfego de Porsches buzinando para passar.

Não passaram, e a festa seguiu até o dia clarear.

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