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'Eu decidi ser xingado quando virei marchador', diz Bonfim com a prata

Atleta fala do preconceito contra a marcha atlética e espera novo status do país após medalha inédita

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Caio Bonfim (ao centro) durante prova em Paris; medalha de prata na marcha atlética é inédita para o país - Folhapress

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Paris

"Eu só comecei com 16 anos. Por quê? Porque era muito difícil ser marchador. E, um dia, eu cheguei em casa e falei, ‘eu quero ser marchador’. Na verdade, eu tava dizendo para eles, ‘hoje eu decidi ser xingado sem ter problema’." Caio Bonfim, hoje aos 33 e com uma medalha olímpica no pescoço, não afrontava os pais naquele momento, pelo contrário. Assumia uma paixão de família.

João Sena, o pai, treinava Gianetti Bonfim, a mãe, oito vezes campeã brasileira da marcha atlética. Bonfim, que corria em ruas de terra de Sobradinho, cidade satélite de Brasília em que mora até hoje, tinha um caminho natural pela frente. E muito preconceito. "Na minha cidade, eu brinco que, antes da Olimpíada do Rio, você era sempre xingado quando marchava. Depois, o som da buzina mudou. Agora, é ‘vamos aí campeão’."

Na Rio-2016, Bonfim ficou a cinco segundos da medalha de bronze. "Naquele dia, na hora em que cruzei a linha de chegada, pensei se eu teria outra oportunidade de chegar tão perto." Na quinta-feira (1º), em Paris, o marchador teve chance até de ganhar. O preconceito já não o afeta, mas continua um problema para outros atletas.

Caio Bonfim celebra a prata na chegada, aos pés da Torre Eiffel - Reuters

"Marchando naquelas ruas [em Sobradinho], eu ganhei várias medalhas olímpicas, sonhando. Eu não pensei isso na prova, porque não dá, você tem que ser racional. Agora eu posso falar, contar pra vocês. Estava no íntimo do meu coração. Porque a molecada, cara, tem muita coragem para viver de marcha atlética. Porque nos primeiros anos, na escola, até eu ir para uma Olimpíada, atleta era vagabundo."

A marcha atlética é uma disciplina peculiar, em que o corredor precisa manter contato com o chão em todos os momentos. A regra exige um movimento característico do corpo, como se o atleta estivesse rebolando. O preconceito não só afasta atletas jovens do esporte, como também distancia a audiência de um esporte estratégico.

Em fotos com efeito de múltipla exposição, feitas em 2021, antes das Olimpíadas de Tóquio, o atleta Caio Bonfim mostra técnica para manter sempre ao menos um pé em contato com o chão - Folhapress

Bonfim, que disputa sua quarta Olimpíada em Paris e há dois anos experimenta o auge de sua carreira, após uma suspensão por doping, abusou da tática na prova disputada em frente à Torre Eiffel. Choveu bastante na madrugada parisiense, forçando o adiamento da largada em uma hora. Com as ruas molhadas, Bonfim decidiu disparar no começo, apostando no receio dos rivais. "Estava preparado para isso, mas me expus ali", contou o atleta, que virou o primeiro quilômetro na liderança.

Uma penalidade, dada quando o competidor perde o contato com o piso, fez o brasileiro modular o ritmo. "Eu fiz a primeira volta em 3min59 e ninguém veio comigo. A arbitragem não tem relógio." Um desempenho mais destacado, ao mesmo tempo que o colocava na liderança, aumentava a vigilância sobre seus passos. "Sabe como é, né? Um brasileiro, no meio de europeus, de sul-americanos", contou, em referência à falta de peso do Brasil no cenário da modalidade. "A marcha tem esse lado subjetivo, é perigoso."

Bonfim foi advertido duas vezes na prova, "o equatoriano, nenhuma, os europeus, nenhuma", e no último quilômetro não arriscou para garantir a medalha. "Aí eu falei, ‘agora eu vou ser prata também’, vou levar essa prata para casa."

Bonfim levou a prata para sua mãe, que também é sua treinadora, para os filhos, "medalhas de ouro", e para um projeto social que toca com a família em Sobradinho. "Olimpíada não é feita só de um ano olímpico, muito menos dos últimos três que foi esse ciclo [desde Tóquio-2020, disputada em 2021 por causa da pandemia]. Olimpíada é feita de uma vida."

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