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Livro relata modernismo literário argentino em comparação ao brasileiro

Em 'Sonhos da Periferia', sociólogo Sérgio Miceli impressiona por rigor acadêmico e estilo irônico

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JOSÉ LUIZ PASSOS

Sonhos da Periferia

Avaliação: Ótimo
  • Preço: R$ 59,90 (184 págs.)
  • Autoria: Sérgio Miceli
  • Editora: Todavia

Para quem vive no mundo das letras, a sociologia pode ser uma forma de abstração dolorosa. Serve como chuveirada racional, cuja sobriedade desconfortável nos convida a rever paixões.

Em "Sonhos da Periferia", Sérgio Miceli, conhecido por sua verve iconoclasta, insinua um contraste útil entre as dinâmicas do campo intelectual argentino e brasileiro durante as décadas de 1920 e 1930.

O assunto não é estranho às publicações do autor, e seu argumento sobre o caso brasileiro figura de fato em obras anteriores. O que agora nos oferece é uma visão do caso argentino contra um pano de fundo comparativo. Sem jargão excessivo nem "marco teórico" explicitado para enfado do leitor, o livro de Miceli é de leitura prazerosa e rica.

O sociólogo Sérgio Miceli, autor de 'Sonhos da Periferia' - Danilo Verpa - 5.jul.2013/Folhapress

Sua premissa fundamental é a de que, no Brasil, o Estado serviu de lastro para o grupo que encampou a renovação estética nacional, enquanto que no caso argentino o mecenato privado estendeu a mão que franquearia aos intelectuais novas possibilidades de posicionamento no campo cultural do período; e talvez, com isso, estes tenham alcançado a preço alto um quê maior de cosmopolitismo.

A revista SUR é o foco da primeira parte do livro. E ante o caso argentino, nosso modernismo desponta varguista e limitado por um nacionalismo cultural marcante.

Em estocadas ferinas, Miceli passa em revista "a súmula da defesa da literatura de Borges" à época de SUR. A velocidade do juízo sociológico é desnorteante; impugna Borges por suas peripécias e pela "postura anti-histórica", que congrega facetas dos gêneros consagrados e da cultura de massas.

Mas a verdadeira comparação se dá menos entre o Brasil e a Argentina do que entre o grupo SUR e o casal Alfonsina Storni e Horacio Quiroga, baluartes genuínos da indústria cultural, deslocados pelo cosmopolitismo estetizado do mecenato alto-burguês que sustentava a revista do grupo de Borges.

As poucas referências diretas ao caso brasileiro enfatizam sua natureza cooptada pelo Estado, tornada clara, neste contexto, pelo número que SUR dedica ao Brasil, em setembro de 1942, com trechos de discursos de Vargas e poemas e desenhos modernistas, celebrando o quinto aniversário do regime.

A segunda parte do livro difere significativamente da primeira. Dedica-se ao casal Alfonsina e Quiroga; discute sua iconografia e se detém sobre detalhes das trajetórias biográficas, o que resulta num capítulo mais narrativo, sem o excesso da contextualização socioeconômica.

Talvez aí Miceli encontre mais empatia do que no enquadramento político de Borges face a elite que o habilita. Aliás, no quesito da participação feminina: que vergonha, Brasil. Pagu é nossa exceção no contraste com o papel central exercido por Victoria Ocampo e Alfonsina Storni em ambos os lados do campo literário argentino.

A parte dedicada a Storni e Quiroga é talvez a porção mais delicada e coesa do livro. Suspeito que o argumento como um todo vá incomodar não apenas a nossos compadres de letras, como de regra faz Miceli, mas também a alguns dos nossos hermanos.

Sem a unidade de contribuições anteriores, e carente de uma conclusão à altura, "Sonhos da Periferia" é assim mesmo discretamente impressionante por seu rigor acadêmico e pela ironia no estilo.

A obra é ainda outro passo seguro da bem-vinda Todavia, numa síntese representativa de um dos sociólogos da cultura mais importantes de nosso quase moderno país.

José Luiz Passos
É crítico literário e romancista
 

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