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Produtores temem que edital da Ancine concentre recursos em duas empresas

Pacote no valor de R$ 150 milhões abriu racha no setor audiovisual

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São Paulo

É uma polêmica de R$ 150 milhões —ou cerca de um quinto da verba anual destinada à atividade audiovisual no país.

Produtores e distribuidores brasileiros estão mobilizados contra as regras de um edital de fomento recém-lançado pela Ancine (Agência Nacional do Cinema). As principais queixas são: 1) ele permite a concentração de recursos nas mãos de poucas empresas; 2) ele reduz as cotas a projetos vindos de fora do eixo São Paulo-Rio de Janeiro.

A Ancine refuta essas críticas.

O programa em questão é o edital de fluxo contínuo, composto por R$ 150 milhões e voltado à produção de filmes de ficção, animação e documentários. Lançado no mês passado, ele usa um sistema de pontuação como critério para a distribuir os recursos. A pontuação depende da qualificação da produtora, da distribuidora e do diretor do projeto.

Cena do filme "Os Farofeiros", de Roberto Santucci - Divulgação

Assim, por exemplo, se um projeto for proposto por uma distribuidora de cinema hipotética, 50% do peso dessa pontuação terá que estar relacionado ao desempenho de público de seus filmes anteriores. Outros 10% terão de dizer respeito ao desempenho comercial e artístico do diretor vinculado a ele. Logo, uma empresa de sucesso comercial salta na frente na comparação com outras que estejam começando.

O ponto controverso é que a Ancine permite que uma mesma empresa ou grupo econômico concentre até 25% do total desses R$ 150 milhões, o que favoreceria uma concentração de verba sob o guarda-chuva de organizações já bem consolidadas.

Uma das primeiras a se manifestar foi Vera Zaverucha, ex-diretora da Ancine. “Como temos apenas duas grandes [distribuidoras], pressupomos que caberá a elas a escolha de projetos”, escreveu em um texto em seu site.

Dando nome aos bois: o temor é que Paris Filmes e Downtown, empresas responsáveis pelo lançamento dos filmes nacionais mais bem-sucedidos das últimas décadas, abocanhem as verbas. As duas, que com frequência atuam em parceria, já são donas de 98% do total das bilheterias de filmes brasileiros lançados no semestre que passou, graças a sucessos como “Nada a Perder”, “Os Farofeiros” e “Fala Sério, Mãe!”,

“Do jeito que está, o edital é dirigido a distribuidoras que já atuam em joint-venture”, diz Ícaro Martins, vice-presidente da Associação Paulista de Cineastas.

A Ancine nega que ele vá permitir às duas distribuidoras concentrar 50% dos recursos (ou R$ 75 milhões).

“Até porque, quando há codistribuição, o teto vale para as duas. Caso duas distribuidoras apresentem apenas projetos nos quais vão atuar em dupla, juntas poderão acessar até 25% dos recursos”, responde a agência de cinema, via assessoria de imprensa.

Martins rebate. “Os projetos não precisam ser apresentados como codistribuição, porque a distribuição pode ser renegociada depois. Uma empresa pode repassar total ou parcialmente para outra depois. Produções e distribuições normalmente são negociadas e eventualmente renegociadas, quantas vezes se quiser.”

Segundo ele, falta diálogo da Ancine com a sociedade civil. “Entidades do cinema se manifestaram contra, e isso não está sendo levado em conta”, afirma.

Para Bruno Wainer, diretor da Downtown, trata-se de uma “grita inexplicável”.

“Esse é um edital dedicado à ocupação de mercado, calculado com base no resultado comercial. Filmes com outras vocações, autorais, têm outros concursos”, diz ele.

Há oito anos, Downtown e Paris mantêm a parceria na distribuição dos longas brasileiros de maior sucesso do país. “É o que nos faz ter força diante das multinacionais, diante de Hollywood. Só neste país maluco que a experiência é combatida, em vez de estimulada.”

Outras entidades que se insurgiram contra o edital da Ancine são a Conne, que reúne produtores de Centro-Oeste, Norte e Nordeste, e a Fames, que agrupa mineiros, capixabas e estados da região Sul. Juntas, as duas organizações agrupam cerca de 35% dos produtores do país.

No caso delas, a queixa se deve ao chamado critério indutor, isto é, as cotas destinadas a projetos vindos de fora de São Paulo e Rio. Em editais anteriores, produtores da Conne tinham direito a uma reserva de 30% do total desses recursos; os da Fames a um percentual de 10%. Isso não existe mais.

"Nós que não somos do Rio ou de São Paulo temos acesso mais difícil a distribuidores", diz a produtora Vânia Lima, que fala em nome da Conne. "Esse edital era a nossa principal porta para projetos de médio e grande porte. Perdemos nosso lugar."

A Ancine responde que esses produtores continuam contemplados numa das quatro linhas do edital, voltada apenas a projetos de fora do eixo Rio-SP, e que eles também poderão concorrer, em igualdade, nas demais.

A cota, contudo, diminuiu de forma drástica. Na linha exclusivamente voltada a filmes que não venham de São Paulo ou do Rio, o total destinado é de R$ 25 milhões, isto é, 16% do total --abaixo da cota de 40% que existia antes.

 

O edital de fluxo contínuo

  • Lançado pela Ancine, vai distribuir R$ 150 milhões para projetos em cinema
  • Permite que uma mesma empresa concentre sozinha até 25% do total da verba
  • Abriu um racha entre as duas maiores distribuidoras brasileiras (Paris e Downtown) e grupos de produtores independentes

Os grupos no centro da controvérsia

Paris e Downtown

  • Distribuidoras especializadas no lançamento de filmes comerciais
  • Juntas acumularam 98% das bilheterias brasileiras no primeiro semestre
  • Filmes dessas distribuidoras: “Nada a Perder”, “Os Farofeiros”, “Fala Sério, Mãe!”
 

Produtores independentes

  • Grupos que criticam o edital: Abraci (Associação Brasileira de Cineastas), Apaci (Associação Paulista de Cineastas), Conne (Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste) e Fames (Fórum Audiovisual de Minas Gerais, Espírito Santo e estados do Sul)
  • Filmes desses produtores: “Uma Noite Não É Nada”, de Alain Fresnot, “Os Últimos Cangaceiros”, de Wolney Oliveira, “Sol Alegria”, de Tavinho Teixeira
O ator Paulo Betti (com a atriz Luiza Braga ao fundo) durante gravação do longa metragem "Uma noite Não É Nada" - Greg Salibian/Folhapress

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