A fé parece santa demais para um mundinho pecador da moda
O mercado evangélico acompanhou o crescimento do número de fiéis
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A onda de fé vestível na qual os brasileiros se jogaram de corpo e alma parece se explicar, primeiro, porque o país é o segundo do mundo em número de cristãos; segundo, pelo sentido ecumênico da palavra impressa nas camisetas abençoadas; e, terceiro, porque o Smilinguido ficou datado.
As formiguinhas animadas que ensinavam provérbios em cadernos e looks de autoajuda foram substituídos pelo traço delicado desse escrito que resume a resiliência em tempos de dificuldade.
Ele não guarda nenhum resquício da duvidosa fonte Comic Sans que contornava os escritos bíblicos nos anos 2000. Goste-se ou não, é visível certo trabalho de design nas linhas soltas que fazem o “fé” formar o símbolo da cruz.
Essa ideia não é um fenômeno aleatório restrito aos templos. Sabe-se que o mercado de moda evangélica, a despeito da crise conjuntural no varejo, acompanhou o crescimento do número de fiéis das religiões neopentecostais, que cinco anos atrás até cartilha de vestimenta ganhou de seus pastores.
Desde a invenção da ideia de roupa de domingo, trajar-se para louvar nunca esteve tão na moda. Saia mídi, decote comportado, mangas compridas, calças flare. Faltava no portfólio o item mais usado do armário —a peça imortalizada por Marlon Brando como símbolo de contestação em “Um Bonde Chamado Desejo” que virou base para a propagação de ideias.
Se Vivienne Westwood um dia fez da camiseta rasgada com ossos de galinha colados o suprassumo do punk nos anos 1970, a fé tatuada no peito pode ser lida como a ponta de lança do fervor religioso agora saído do armário. Usá-la teria o mesmo significado de vestir a camisa do time predileto.
E, segundo a lei da moda, se é pop, é passível de reproduções no mercado de roupa barata, que não classifica sua produção por religião, credo, situação ou oposição. Assim como o boné John John fez a cabeça dos jovens e ganhou milhares de cópias no passado recente, a fé estampada ganhou o comércio popular com o mesmo pendor fashionista.
O escrito, porém, não estará impresso nos relatórios de tendências, porque ele desafia o aspecto mundano vinculado à moda, que muitos religiosos definem como terreno fértil para exibicionismo e vulgaridade.
Ao mesmo tempo, as vitrines não costumam se apropriar de quaisquer referências a instituições reguladoras de comportamento, a não ser para levar algum viés exótico ou contestatório às coleções.
O militarismo, para citar outro modismo em voga, é usado na passarela como ideal de embalagem contra um poder opressor, e traços de religiões orientais, a exemplo dos hijabs islâmicos, como truque de estilo para agradar aos clientes do Oriente Médio.
É cada um no seu quadrado. A fé, ainda que ecumênica, parece santa demais para entrar num mundinho tão pagão quanto o da moda. Ela pode até mover montanhas, mas não deve cruzar a linha imaginária que separa sua santidade dos pecados de luxúria e cobiça que norteiam a passarela.
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