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Susan Sontag mostra que a linguagem pode matar e salvar, diz biógrafo

Para Benjamin Moser, arte e doença foram motores de humanização da intelectual

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São Paulo

Os primeiros casos de Aids nos EUA foram registrados dois anos depois da publicação do livro de Susan Sontag “Doença como Metáfora”, de 1978.

Na obra, a ensaísta americana analisa os discursos que colocam nos pacientes a culpa por suas patologias. O primeiro episódio de câncer de Sontag, anos antes, inspirou a produção do estudo, e a epidemia de Aids na década de 1980 ampliou a repercussão de seus argumentos, já que a estigmatização dos doentes homossexuais ganhou contornos inéditos. 

Benjamin Moser, autor de biografia recém-lançada de Sontag, considera a doença um dos motores de humanização da vida árida da intelectual, ao lado da arte. Em ambos os casos, a preocupação com o poder das representações e das metáforas foi central em sua extensa produção.

Em “Sontag: Vida e Obra”, o biógrafo coloca em contato a imagem pública de Sontag, uma estrela dos círculos intelectuais e artísticos de Nova York com projeção mundial, e seus traços internos, situados por ele no terreno da dureza e da falta de confiança em si, em grande medida forjados pelo alcoolismo e pela negligência da mãe durante a sua infância.

Aos 42 anos, quando Sontag descobre por acaso um tumor no seio em estágio avançado, com metástase, “ela quase morre, e é nesse exercício em que ela entende que a linguagem que descreve o câncer pode matar e salvar as pessoas”, disse o autor em debate promovido pela Folha e pela editora Companhia das Letras na quinta-feira (12) em São Paulo. Francesca Angiolillo, jornalista da Folha, mediou o encontro.

O autor relatou ter se chocado ao descobrir os julgamentos que cercavam a enfermidade à época e transformavam a doença em tabu —além da influência que a obra de Sontag exerceu em pacientes que leram seu livro. Em sua pesquisa nos arquivos da autora, Moser disse ter encontrado cartas que a escritora recebeu de leitores que sofriam de câncer, parte deles agradecendo por terem se livrado da culpa que carregavam e afirmando que poderiam morrer em paz. 

Para Moser, “Doença como Metáfora” é uma obra fulminante contra os preconceitos que rondavam o câncer na época, mas a própria Sontag teve dificuldade em se desvencilhar deles enquanto se tratava da doença. 

Distância parecida entre interpretação racional e impulso emocional também está presente, para Moser, na relação de Susan com sua homossexualidade. “Ela sabia que a homossexualidade é natural, mas é difícil superar as crenças”, disse.

O biógrafo ponderou que os riscos de assumir a homossexualidade eram muito maiores que os atuais, mas narrou em tom de crítica a recusa de Sontag em sair a público como lésbica, principalmente no período em que a Aids emergiu.

Essa posição de Moser foi criticada por Janet Malcolm em texto publicado em setembro na revista New Yorker. A jornalista escreveu que, na obra, o autor “deixa cair sua máscara de observador neutro” e se revela “um adversário intelectual de seu objeto”.

O biógrafo reconheceu as barreiras psicológicas e sociais que Sontag enfrentou em relação a sua homossexualidade, lembrando, por exemplo, que havia leis nos EUA que ameaçavam que mães lésbicas pudessem criar seus filhos. “O período é muito complexo, mas a ironia é que Susan era a lésbica mais famosa do mundo. As pessoas ficaram chocadas que ela não tinha se assumido porque todo mundo sabia”, afirmou.

Em retrospectiva, Moser afirma que, “simbolicamente, para muitas mulheres e homens gays, teria sido muito importante ter o apoio de uma figura como ela, mas ela não se colocou ao lado dos gays na época em que estavam morrendo”. 

Por outro lado, o autor lembrou que Sontag não se furtou a denunciar as atrocidades do cerco de Sarajevo durante a Guerra da Bósnia. Instigada por seu filho, David Rieff, ela viajou para a cidade e lá montou com moradores, em meio ao cenário de destruição, fome e morte, a peça “Esperando Godot”, de Samuel Beckett. 

A peça de teatro foi, na avaliação de Moser, “a maneira de ela falar que essa gente estava sendo discriminada e morta por questões raciais”. “Foi um gesto de dizer que essas pessoas não eram uns bárbaros, não eram essas caricaturas que a gente assistia na televisão. Ela achava que a cultura era uma coisa pela a qual valia a pena morrer, porque a cultura deu dignidade à vida humana.”

A experiência marca o ápice da inquietude intelectual de Sontag pela relação entre as metáforas e a vida concreta. “Ela estava convencida que representar as coisas e mostrar a realidade era uma questão de vida e morte”, disse Moser.

O biógrafo tomou emprestada as ideias de Sontag sobre as representações para tratar de seu ofício, que ele definiu como um trabalho de empatia com a personalidade retratada. “É uma responsabilidade muito grande. Tem a vida de uma pessoa em suas mãos”, disse. “A gente sempre está escolhendo coisas. A narrativa da biografia não é ela, é o meu retrato dela.”

Sontag: Vida e Obra

Avaliação:
  • Preço: R$ 109,90 (704 págs.)
  • Autoria: Benjamin Moser
  • Editora: Companhia das Letras

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