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Trama sobre um homem que vira asno é matriz da atual onda de autoficção

Também conhecida por 'Metamorfoses', obra é o único romance latino da Antiguidade que sobreviveu na íntegra

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O Asno de Ouro

Avaliação: Ótimo
  • Quando: R$ 79 (480 págs.)
  • Autor: Apuleio
  • Editora: 34
  • Tradução: Ruth Guimarães

“É a tristeza que some/ Morre o burro fica o homem.” Na voz de Jorge Ben Jor, esse poderia ser o hino do final triunfal de “O Asno de Ouro”, de Apuleio (125-170 d.C.), quando Lúcio, após reveses como burro, reverte sua metamorfose para a redentora condição humana.

Também conhecido por “Metamorfoses” (alusão à obra-prima de Ovídio), é o único romance latino da Antiguidade que sobreviveu na íntegra. Inspirou autores como Boccaccio e Shakespeare, e é uma das mais antigas referências nos estudos literários sobre prosa ocidental.

A trama fabular na primeira pessoa divide-se em 11 “livros”. Em viagem a Tessália, na Grécia, Lúcio se hospeda na casa de uma idosa versada em magia. Enamorado da criada e enfeitiçado pela curiosidade, quer experimentar a metamorfose. Ao provar a poção errada, é transformado em asno. 

Passa por uma série de privações e provações nas mãos de bandidos e outros donos. Ainda dotado de atributos humanos, como o dom da narração, é testemunha das miudezas de homens e mulheres.

O livro não é só uma das matrizes do romance moderno, mas também da moderninha máquina de autoficção e das atuais séries de televisão. Como Cervantes, Sterne e Machado de Assis, Apuleio se serve de um narrador reflexivo, que recheia o relato de ironias.

O dado autoficcional se baseia em litígio verídico. Em 155, Apuleio se hospedou na casa de um amigo e se casou com a mãe deste, rica viúva. Acusado de magia para seduzi-la, foi julgado e sua própria defesa, “Apologia”, o absolveu. O caso inspirou as tentações mágicas do romance, semeando a trilha de Serge Doubrovsky e um séquito de vasto espectro.

A projeção nas séries de TV se refere às narrativas que proliferam e se imbricam, intrincadas e (sob a alavanca ilusionista) verossímeis. 

Um pouco como os jardins que se bifurcam de Jorge Luis Borges e as miríades das “Mil e Uma Noites”, “O Asno de Ouro” é vazado de histórias paralelas, narradas por personagens com quem topa o asno e replicadas em espiral no amplificador das orelhas largas de Lúcio.

À metamorfose do personagem do romance, corresponde a do próprio texto. Apuleio se apropriou do original grego “Lúcio ou o Asno”, atribuído duvidosamente a Luciano de Samósata, transpondo-o para o latim, em seus últimos dez anos de vida. Santo Agostinho, em “Cidade de Deus”, denominou as “Metamorfoses” de Apuleio como “O Asno de Ouro”.

Foi traduzido do latim por Ruth Guimarães. Nascida em Cachoeira Paulista, no interior paulista, em 1943 conheceu Mário de Andrade e seguiu estudos sobre folclore. Formou-se em letras clássicas pela USP e publicou “Os Filhos do Medo”, sobre o Diabo nas tradições populares. 

Tradutora de Balzac e Dostoiévski, foi a primeira escritora negra eleita na Academia Paulista de Letras. Nas notas, chama a atenção para os jogos verbais de Apuleio, como “quietude do sono inquieto”.

Nas peregrinações dessa metamorfose ambulante, o asno de Apuleio chega a paragens improváveis. Fonte inconfessável de Robert Bresson, o romance de 1.800 anos atrás foi ressignificado no magnífico “A Grande Testemunha” (1966).

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