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Novo museu revela como Itamar Assumpção foi um afrofuturista extravagante

Instituição online entra no ar no Dia da Consciência Negra com acervo do músico em ambientes cheios de som e cor

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São Paulo

Os extravagantes óculos escuros de Itamar Assumpção não eram só mais uma marca do estilo de um dos maiores nomes da vanguarda paulista e precursor do afrofuturismo no Brasil. Nas cores e nos formatos chamativos das armações havia uma representação de sua própria essência, algo de liberdade, reinvenção, experimentalismo e identidade negra —além de seis graus em cada uma das lentes para miopia.

Fosse pela necessidade de sobrevivência, ou por uma sensibilidade espiritual, Itamar Assumpção sempre pareceu estar fora de seu tempo, como deixavam claro suas roupas, seus escritos e, acima de tudo, suas canções. É o que conta a filha Anelis, que, além de artista, é também uma das organizadoras do primeiro museu virtual dedicado a um artista negro brasileiro, o Museu Itamar Assumpção, que estreia online nesta semana, marcando as celebrações do Dia da Consciência Negra.

Reunindo toda a obra, o acervo e a memória de Itamar, o museu propõe uma experiência imersiva —por meio de pixels mesmo— na trajetória do músico e na importância sociocultural de artistas negros contemporâneos que ecoaram sua linguagem artística.

Com mais de 2.000 itens, exposições —permanentes e temporárias—, loja com produtos exclusivos e uma série de depoimentos de grandes nomes da música brasileira, a instituição virtual oferece um passeio por passado, presente e futuro da população negra do país. O espaço é ainda o primeiro museu no país a ter traduções em iorubá.

Para conhecer o dono dos óculos mais excêntricos da vanguarda paulista, o site constrói um percurso com a lógica de uma espiral —tal qual a dinâmica da cosmovisão afrofuturista. Nele, o visitante, que logo se depara com fotografias dispostas de maneira pouco cartesiana —onde é possível montar um mural de acordo com o próprio gosto—, é levado a um extenso roteiro da trajetória de Itamar, permeada pela de outros artistas negros, como Elza Soares, Abdias do Nascimento, Jimi Hendrix e Carolina de Jesus.

No espaço dedicado à cantora Serena Assumpção, filha de Itamar morta há quatro anos, vítima de um câncer, os elementos gráficos oferecem uma experiência tridimensional, num cenário bem parecido com as fascinantes imagens do espaço feitas por satélites e, da mesma forma que no disco "Ascensão" —lançamento póstumo da artista—, reverenciam os orixás do panteão do candomblé.

Serena e Itamar são lembrados também na primeira mostra de curta duração do museu, que traz retratos do artista plástico Dalton Paula, conhecido por explorar a negritude em suas obras. Além disso, os discos de Itamar recém-lançados —dos quais, três têm músicas inéditas— nas plataformas de streaming estão acessíveis gratuitamente no site com letra, partitura e cifra.

"Tivemos a intenção de proporcionar uma experiência virtual que extrapolasse os filtros normais de busca", afirma Frederico Teixeira, também curador do espaço. "Apresentamos murais e formas inusitadas de interação com as obras, não é só um site."

Atendendo um antigo desejo de Anelis, o museu parte de uma perspectiva negra e afrofuturista para apresentar seu pai. Seja pela identidade visual —altamente influenciada por obras de Rubem Valentim, Emanoel Araújo, Sun Ra e produções gráficas do cenário musical das décadas de 1970 e 1980—, ou pelos depoimentos ali de artistas e pensadores negros —entre eles, Djamila Ribeiro, Tiganá Santana, Monica Ventura, Mano Brown e Gilberto Gil—, Itamar é retratado com ares que ultrapassam a velha fama que conquistou na vanguarda paulista.

“Percebi que a maior parte do público do Itamar é branco. Aquele branco intelectual uspiano”, diz Anelis, falando sobre suas motivações para a criação do museu. "Eu senti a necessidade de criar um canal de comunicação com outros públicos e, principalmente, trazer uma perspectiva preta sobre a obra e a vida dele."

"Sinto que é preciso realocar até mesmo as nomenclaturas. Hoje, quando olho para a sua obra, consigo ver tudo muito mais dentro do afrofuturismo do que do vanguardismo europeu. De forma alguma, quero desconsiderar a importância desse movimento, mas precisamos ir além dessa perspectiva branca europeia", acrescenta.

Embora o afrofuturismo não tenha ganhado destaque —e fosse pouquíssimo conhecido— nas décadas de 1970 e 1980 no Brasil, Anelis defende que seu pai tinha uma estética e um comportamento alinhados com a filosofia do movimento. "Ele nunca estava preso a nada. Nem a gênero musical, a gravadora, a estilo, ou qualquer outra coisa. Ele tinha necessidade de ser livre e inventar coisas o tempo inteiro."

Marcada por ambientes artísticos, candomblecistas e até mesmo futebolísticos, a trajetória do músico é plural e rodeada de elementos culturais afrobrasileiros. Itamar, nascido em Tietê, no interior paulista, em 1949, foi um dos principais artistas de música independente no Brasil e escreveu de algumas das maiores obras-primas do país.

Depois de se mudar para o Paraná, ainda jovem, entrou em contato com o teatro, os festivais universitários e as efervescentes discussões políticas que marcaram o período da ditadura militar. Em 1973, passou a morar em São Paulo, onde se dedicou de vez à carreira musical.

O músico fez sucesso sem apoio de nenhuma gravadora, o que é difícil até mesmo para os dias de hoje. Seu disco “Beleléu Leléu Eu”, gravado de maneira independente em 1980, conquistou a crítica musical da época. Com arranjos experimentalistas da banda Isca de Polícia, as letras do álbum têm um tom satírico e personagens marcantes.

"O Itamar clamava por processos de individualidade. Antropofagicamente, ele pegava diversas referências e as transformava em algo muito pessoal", diz Ana Maria Gonçalves, autora de "Um Defeito de Cor" e curadora do museu ao lado de Anelis, Teixeira e Rosa Couto. "Teremos agora uma grande vitrine disso tudo."

Museu Itamar Assumpção

Avaliação:
  • Quando: A partir de 20 de novembro
  • Onde: www.itamarassumpcao.com

Show de abertura do Museu Itamar Assumpção

Avaliação:
  • Quando: 20 de novembro, às 21h30
  • Onde: Site do Museu Itamar Assumpção; Site e canal do YouTube da Casa de Cultura
  • Preço: Grátis
  • Direção: Ava Rocha
  • Artista: Anelis Assumpção

Erramos: o texto foi alterado

Em uma versão anterior deste texto, o nome de Rosa Couto não foi mencionado como parte da equipe curatorial do museu. O texto foi alterado. 

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