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Ford deixa o país agora, mas antes abandonou toda uma cidade no meio da Amazônia

Artista Romy Pocztaruk fotografou os vestígios da montadora em Fordlândia, erguida do zero nos anos 1920

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São Paulo

A Ford anunciou, no início desta semana, que vai fechar todas as suas fábricas no Brasil neste ano. Muito antes disso, porém, ela abandonou uma cidade inteira no meio da selva amazônica —Fordlândia.

O povoado às margens do rio Tapajós foi erguido do zero pela montadora no final dos anos 1920, parte de um projeto do seu fundador, Henry Ford, para suprir a demanda de borracha da indústria automobilística americana.

Seguia à risca a filosofia da Ford na época, oferecendo aos operários acesso gratuito a água, luz, saúde e moradia e se baseando numa infraestrutura avançada com hospitais e usina elétrica, incomuns na região.

Mesmo com investimentos estimados em US$ 20 milhões, a cidade sucumbiu ao isolamento, aos altos impostos e às pragas nas seringueiras. Em 1946, Henry Ford vendeu a empreitada para o governo brasileiro. Deixou para trás uma cidade fantasma. A mesma que a artista gaúcha Romy Pocztaruk encontrou há quase dez anos.

Pocztaruk passou cerca de dez dias na cidade em outubro de 2011. Na época, ela conta, só se chegava à cidade a partir de Santarém, depois de três horas de carro numa estrada propensa à inundação ou dez horas de barco.

A artista estava envolvida na produção de uma série fotográfica sobre a rodovia Transamazônica, outro projeto faraônico que acabou sendo abandonado. Em Fordlândia, conta, ficou fascinada com os vestígios deixados pela ocupação americana nas fábricas e residências, símbolos de uma utopia na selva.

"Era uma memória que estava inserida na vida daquelas pessoas de uma maneira que nem elas mesmas percebiam", afirma Pocztaruk. Era o caso dos cobogós e dos móveis originais dos anos 1920 vistos nas antigas casas dos executivos da Ford em Vila Americana, hoje ocupadas por membros da comunidade ribeirinha local.

Ou das pinturas e fotografias penduradas nas paredes, exibindo imagens da montadora e do seu fundador. Mesmo a louça de um banheiro exibe os traços da presença estrangeira, segundo Pocztaruk. "Não é algo que existiria no meio da Amazônia."

Esse impulso de documentação permeia toda a pesquisa da artista gaúcha. Com obras em coleções como a Pinacoteca e o Museu de Arte Moderna de São Paulo, o MAM, ela busca em suas obras resgatar uma história recente do Brasil, em geral desconhecida da população

Fordlândia, por exemplo, não está na maioria dos livros didáticos, assim como as demais cidades à beira da Transamazônica que ela fotografou na série, povoados com nomes ora ufanistas, ora tecnocráticos que hoje são pouco mais do que ruínas —Brasil Novo, Bandeira, Rurópolis, Jatões.

Todas elas guardam memórias que estão aos poucos sendo apagadas, afirma Pocztaruk. Arquivos históricos de Fordlândia, por exemplo, foram todos agrupados num cômodo dentro da fábrica, "como uma cadeia de memórias", nas palavras da artista. Ali estão de documentos sobre o hospital da cidade, o mais avançado no Brasil na época de sua construção, a mapas e fotografias amareladas, objetos que ela também fotografou para o projeto.

"Acho que esses resíduos ficam para contar a história", diz a artista. "E nos alertar de que pensar o futuro também é olhar para o passado."

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